domingo, 20 de janeiro de 2002

As maiúsculas

            “Do Caderno H”, publicado no Correio do Povo de Porto Alegre, durante muitos anos, é feito de poemas de Mário Quintana e, por vezes, de reflexões sobre o mundo e sobre as eventuais talvez bastante comprometedoras esquisitices dos homens.


            Em 1975, entre dizeres de amor, elucubrações sobre o mistério de viver, constatações a girar em torno do ofício de poeta, no dia 18 de outubro, o seu texto tem por título “A guerra e o desespero”. Que algum momento bélico tenha estado na sua origem é bem possível, pois os habitantes do planeta jamais cessaram de se digladiar. Mas, uma origem ou outra importa pouco (ou infinitamente muito) e suas palavras expressam o que está aquém das simplistas razões justificadoras de conflitos.

            Começa por dizer que as guerras têm aparentemente o fim de destruir o inimigo, para completar, em seguida, que, na verdade, o que elas conseguem é destruir parte da humanidade. E que seria ridículo atribuir qualquer idéia de expurgo à Natureza – com N maiúsculo como, também, se trataria de humor negro, o responsabilizar esse expurgo à insondáveis desígnios da Divina Providência. O que, mais modernamente, poderia ser traduzido por Deus está do nosso lado, frase que, embora possa parecer impronunciável neste século XXI, ainda é passível de ser dita como verdadeira sentença nos atribulados e injustos dias que correm. Sobretudo, demonstrativa de inabaláveis convicções que, no entender de Mário Quintana, nada tem a ver com a lógica ou com alguma idéia até porque, lhe parece, as idéias se mostram escassas. E, além do mais, usar idéias para falar de guerras e guerrilhas é recorrer a um instrumento inadequado.

            Na simplicidade de suas palavras, contidas na exemplar síntese que lhe é habitual, a expressão de um questionamento necessário, senão imprescindível. Porque, na verdade, é difícil, senão impossível, justificar a ação violenta de um país sobre outro, principalmente, se o atacado for pobre e fraco. Assim, qualquer discurso que o fizesse (e faz) só pode ser alimentado de mentiras, de falsidades e de má fé, pretensamente a esconderem dúbios e lucrativos interesses que, certamente, não engana ninguém, mas faz escola entre os que se submetem às palavras de ordem, escritas em maiúsculas – Deixemos as maiúsculas em paz diz Mário Quintana – a visar um significado inconteste.

            Sabe-se, então, que pouco resta a fazer. Para o Poeta (deve-lhe ser penoso ensarilhar armas) há, ainda, uma tentativa: o humor. Um recurso que parece lhe ser caro, pois está presente em muitos de seus versos e textos em prosa. E é com ele que termina “A guerra e o desespero” a se servir de um diálogo: - Então ó homo sapiens, que vais fazer nesta situação desesperada? – Ora, alistar-me... toda opção é um ato de desespero.

Um humor, evidentemente, sem inocência porque, além do sorriso que talvez provoque pelo rótulo que aplica aos homens e pelo inesperado da resposta leva, como prega o dramaturgo italiano Luigi Pirandello, à cristalização do riso. E mais, a um cruel axioma, relacionado a um inerente comportamento humano que não raro, se mostra inquieto e infeliz.

           

Nenhum comentário:

Postar um comentário