No dia 22 de
abril de 1973, Carlos Droguett, em Santiago, inicia um romance, Matar a los
viejos que, talvez, diz Mauricio Ostria González em artigo publicado na
revista Alpha (Osorno, 1995) tenha querido ser um testemunho do
processo político vivido pelo Chile no Governo da Unidade Popular. Mas o golpe
do dia 11 de setembro daquele ano fez com que o romance se tornasse, então,
conforme palavras do ensaísta chileno, homenagem
e elegia ao povo sacrificado e, simultaneamente, vitupério e diatribe contra os
generais golpistas e seus sequazes.
Em
maio de 1980, em Paris, a obra ficaria concluída, porém só em abril de 2001
será publicada pela LOM de Santiago, o que foi considerado por um crítico
chileno ato de valentia, pois, nesses anos que transcorreram, nenhuma editora
aceitou publicar uma obra em cuja
dedicatória a Salvador Allende, constava, com todas as letras, os nomes de seus
assassinos. Mas, como leões mortos são leões inofensivos, a obra, agora é
publicada, cinco anos após o desaparecimento de seu autor, na Suíça, onde
vivera exilado após o golpe militar do Chile, em 1973. E com todas as letras
que ele escrevera. São quatrocentas e quarenta e sete páginas em corpo de letra
muito pequeno, divididas em vinte e cinco capítulos, cujas primeiras palavras
constituem os seus títulos. Uma narrativa complexa, no melhor estilo de Carlos
Droguett – testemunho e profecia – feita de muitas histórias que aparecem imprecisas
e truncadas, alheias à cronologia e que pretendem não deixar perecer, no
olvido, os sofrimentos e as mortes que fizeram a História do Chile no período
negro, instaurado no dia 11 de setembro de 1973.
O
seu assunto, dir-se-ia, muito simples: em Santiago, os velhos são condenados à
morte. Um cadafalso é armado às margens do rio e recebe, cada dia, um punhado
daqueles que, de algum modo, foram cúmplices das injustiças que fizeram sofrer
os pobres do Chile. São arrebanhados por uma implacável caminhonete que os
conduz ao local, onde guardas chegam para disparar e deixar que seus corpos
caiam na correnteza: velhos autênticos,
bem vestidos e com suas digestões perfeitas, velhos elegantes[..]. Jamais
velhos pobres, o que parece normal, porque entre eles, os que não morriam de
tuberculose nas planícies do sul, eram eliminados, a pauladas, nas minas de
salitre e de carvão, nas estepes do Estreito de Magalhães, nos portos e nas
ruas conforme era necessário à política do momento.
E,
assim, a cidade vai ficando liberta dos velhos que a tinham minado desde 1500, povoando-a
por todos os lados, no comércio, na
indústria, nos bancos, na aduana, nas igrejas, nos teatros, nos trens, nos
aviões, nos ônibus [..], possuídos pelo vício,
o incenso e o aroma do cinismo. Ameaçados pela justiça e pela vingança dos
anjos exterminadores, tentam fugir, tentam se esconder nos lenocínios ou nas sacristias,
se fantasiam de velhas ou de leprosos intocáveis; buscam dissimular-se
atrás de máscaras, mas nada impede que sejam apanhados. Há o jornalista, explorado, às vezes, free-lancer outras, depois alcaiote da polícia política e
delator[...]; há o privilegiado,
o intocável que sempre saiu premiado
e indene dos atropelos, das catástrofes, das matanças, sempre com vida, com muita vida, sempre com dinheiro,
com muito dinheiro; há aqueles
que apenas queriam subir na vida e que, na sua inércia e na sua indiferença providencial tinham participado
anonimamente, lustros depois, no assassinato, por exemplo, da bonita Ramona
Parra, 21 anos, solteira, operária de uma fábrica de tecidos, baleada sem nojo e sem escrúpulos por um
tenente [...]. Causadores de sofrimentos, eles vão sendo executados e com o
seu desaparecimento, desaparece, também a pobreza.
Esperança
utópica que se depreende de um texto cruel na repetida constatação das maldades
e vilanias e falsidades do ser humano na sua busca inescrupulosa da riqueza e
do poder. Bela esperança e, certamente,vã ao acreditar ainda – e então o
título do romance passa a ter o seu exato sentido – que nos jovens poderá estar
a salvação. Se os anos não os conspurcassem. Talvez.

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