No
prólogo ao livro Nerudario (Santiago, Planeta Chilena, 1999) de sua
autoria, José Miguel Varas resolve suas dúvidas – como escrever sobre momentos
da vida de Pablo Neruda que presenciou, sem correr o risco de ser tido como um
aproveitador das glórias do poeta? – citando as palavras do escritor Carlos
Martinez Moreno: Porque Neruda derramava incontidamente sua amizade como seus versos e ter dela desfrutado não significa
de modo algum tê-la merecido. Assim, nos diferentes capítulos de Nerudario,
a lembrar os ditos de Pablo Neruda, suas tiradas trocistas, as brincadeiras com
que se divertia, a paixão pelos livros e por incunábulos, manuscritos, caracóis,
antiguidades, freqüentemente, aparecem os testemunhos que o mostram imensamente
solidário para com os amigos e de uma ingênua prodigalidade ao gastar em contas de hotel e dinheiro de bolso de numerosos chilenos e chilenas pouco solventes que
vagavam pela Europa – poetas, estudantes, pintores, cineastas, músicos ou
qualquer outra coisa – procurando a arte, o amor, a revolução. Nesses testemunhos, também, as emoções que desabrocham
diante de um presente recebido ou se dissolvem no desalento de um esperado
encontro com amigos que não se concretiza. Delineia-se, então, um perfil
instigante, por vezes comovedor e do qual não estão ausentes algumas joviais travessuras que o tornam inexpugnável às incursões
crítico-interpretativas nem sempre muito conseqüentes. Daí, o valor de certas
informações. Por exemplo, a que dá a chave de uma estrofe nerudiana, a
penúltima do poema “Botânica”, da sétima parte do Canto General. José Miguel Varas elucida o mistério que já
havia tentado a muitos estudiosos diante de seu sentido simplesmente
circunstancial e a confundir, no seu hermetismo divertido, os exegetas e os
críticos de seus versos. Conhecedores de poesia e de botânica, diz José Miguel
Varas, muitos se aventuraram, amplamente, buscando achar o seu significado obscuro no meio de um poema
sem segredos, indagando-se qual seria a relação entre o paico, espécie
vegetal, cuja infusão é aconselhada para a dor de estômago, com lâmpadas,
desamparo, noite e mar? Uma vez que
o Poeta não se referia à planta aromática que nasce nos campos do Chile mas, a
um de seus amigos, cujo apelido era El Paico, preso numa pequena ilha, durante
um passeio feito em tarde tormentosa e que se havia posto a fazer sinais, com
um velho farol, para ser resgatado, qualquer conclusão a que chegassem os
estudiosos estaria longe do que, na verdade, quis dizer. Certamente, uma
brincadeira do Poeta, transparente, apenas, para uns poucos iniciados o que o
diverte muito, pois como relata, também José Miguel Varas, ele nunca esteve
disposto a esclarecer o sentido de seus versos. Quando Margarita Aguirre,
autora de Genio y figura de Pablo Neruda, publicado em 1964, pela
Editorial Universitária de Buenos Aires, obra considerada, por alguns, como a
melhor e mais vibrante biografia do Poeta, lhe perguntava sobre a gênese de
seus poemas ou sobre o significado de certos versos misteriosos ou herméticos, Pablo Neruda jamais lhe
esclarecia o que quer que fosse, dizendo que os críticos, como Amado Alonzo, viam na sua poesia coisas que ele
ignorava e que alguns de seus achados o deixavam perplexo. E, diante das
investidas desesperadas da sua biógrafa, recomendava: Invente, comadre, invente.
São
histórias que remetem, exemplarmente, às teorias e métodos aplicáveis às
aproximações de textos literários. Quase
sempre, tais teorias e tais métodos se originam da produção oriunda dos países
irradiadores de cultura o que lhes confere irrefutáveis qualidades; e, também,
quase sempre são usadas em obras pertencentes a um hemisfério que apenas, de
longe, se assemelha aos universos nos quais procura se mirar. Trilhas que levam
às explicações, elucubrações e interpretações que, embora respaldadas por
impecáveis embasamentos teóricos, podem resultar fantasiosas ou vãs, como o
revelam as palavras de José Miguel Varas sobre o poeta e seu relacionamento com
o mundo a descobrir algo de seus segredos e de seu poetar.
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