Ela dá o
título ao livro que a editora LOM de Santiago acaba de publicar e se constitui
o fio condutor do relato de Carlos, estudante, como ela, dum curso noturno.
Mas, sua presença, que faz emergir as lembranças, é sempre breve, diluída, a
ceder lugar para outras, que fluem e,
somente dizem respeito ao narrador. Então, ele para dizer da senhorita Lara, ou
divaga, ou explica ou adivinha embora, muitas vezes,seja vencido por
incontáveis zonas de sombra pois pouco
sabe a seu respeito e nada lhe pergunta. No entanto, as rápidas menções
a seu aspecto físico, a seus gestos, às palavras que diz, a seu temperamento,
são deveras suficientes para compor-lhe
o perfil e confirmar a maestria de Carlos Droguett na construção de um
personagem.
A primeira
referência que a ela faz Carlos é que a viu caminhando pelo pátio escuro do
colégio. Ainda não lhe diz o nome, não a conhece e, nessa noite, apenas se
encontraram e apenas se falaram. Ela, a primeira a se dirigir a ele, indicando,
com os olhos, o luto que trazia na lapela, para lhe dizer que deveria tirá-lo
para evitar que os outros também se tornassem enlutados. Foi, também, ela que lhe fez
perguntas: por que estudava à noite ? O
que fazia durante o dia? Por que lia
tanto o mundo, não seria suficiente,
olhar? Sobre ela mesma, no entanto, - reticente,
evasiva, escorregadia- não quer dar nenhuma informação sobre sua vida e
muito pouco dirá, além do sonho de ser
professora de francês e de querer viajar. Assim, somente a partir do que o
narrador observa ou conclui é que irá se deixando ver nas suas orelhas pequeninhas, nos seus
cabelos loiros, curtos, um pouco vermelhos e queimados, nas suas mãos ásperas, como se fossem de tecido áspero, de terra,
de madeira na sua elegância desordenada, na sua vaidade, no ser abertamente fria e melancólica e taxativa nas suas opiniões sobre o
relacionamento entre as pessoas, sobre a literatura, a civilização e o
suicídio.

E
o suicídio, ela irá tentar. Mas, todas as suas razões, o narrador as
desconhecerá ainda que tenha percebido, nesse desejo de ser, embora não o fosse,
insolente, brusca, displicente e brutal os seus dezessete anos presos à
solidão. Ao saber que ela se deu um tiro na cabeça, ainda que lhe digam que não
possui família, nem ninguém no mundo, ele não a visita, não mais a procura,
dela sabendo, apenas, o que dizem no colégio: está muito doente, ficou
paralítica, cega, o rosto desfeito.
Passado
um tempo, talvez a tenha vislumbrando a caminhar pelo parque. Depois, somente o
acaso fará com que torne a encontrá-la.
Convidado para o chá na casa de um amigo, ainda no
jardim, antes de entrar, percebe que se abre uma porta e vê uma jovem mulher, de costas. Seu corpo algo inclinado, agachado no seu trabalho, numa provável doença lhe
trouxe lembranças: a cabeça era a mesma,
o cabelo, coberto faceiramente com um pequeno lenço quadriculado, era o mesmo,
e o mesmo, esse desenho de pescoço antigamente orgulhoso” Mal teve tempo de
se dar conta quem era e ela já se tinha ido. Logo depois, no interior da
casa, apareceu, trazendo a bandeja.
Tropeçou num degrau, deixou cair algo e, então, levantou a cabeça, com rapidez
e ele reconheceu o gesto, repetindo o de muitos anos atrás e reconheceu-lhe as
mãos, as mesmas, porém mais sofridas, levando-o a perguntar-se se mais ásperas. Reconheceu-lhe o rosto
altivo, o cabelo curto, queimado perto da fronte direita onde havia feito o
disparo que lhe deixou como lembrança indelével aquela inclinação de passarinho
assustado. Não se falaram. Ele, só desejou, desesperadamente, que a patroa,
sua anfitriã, não ralhasse pelo que fora ao chão; ela, apenas
sorriu, com raiva, com doçura. Jovem, sonhara com outra vida, falara de paixão. Diante dele, trabalhava,
ainda, com suas mãos ásperas, muito aquém dos sonhos que tivera.
E é essa
imagem que fica da senhorita Lara. Vencida pela vida que tentou rejeitar,
submissa a seu destino subalterno mas ainda, dona de seu olhar e de sua
vontade.
Personagem
ficcional ou presença nos jovens anos do autor chileno a ressurgir de
lembranças, quando, exilado na Suissa,
ele procura o seu país na escrita,
a senhorita Lara é, no seu mistério e na sua ambigüidade, um esplêndido
retrato de mulher. Que a preciosa técnica narrativa de Carlos Droguett faz
nascer ou renascer.
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