Já
estava ficando grisalho, embora, talvez,
não tivesse idade para tal. É quando se
recorda de Inês Lara, sua colega, nos poucos anos do curso secundário. Ele
tinha vinte anos e ela, menos do que isso, quando a viu, caminhando pelo pátio
escuro do colégio. Falaram-se, foram para a aula juntos, encontraram-se outras
vezes, casualmente, ou não, se amaram e, depois, se perderam de vista por
muitos anos . É o que relata La Señorita Lara, livro póstumo de Carlos
Droguett, que acaba de ser publicado em Santiago de Chile: as lembranças que
dela ficaram até essa última vez em que, apenas, se deixou ver, não permitindo que houvesse
entre Carlos, o narrador e ela, qualquer palavra, qualquer gesto.
De
fato, parcas foram as palavras que se haviam dito quando jovens e, deveras, breves os gestos que os uniram.
Depois, abruptamente, a separação e o derradeiro encontro. Um quase nada,
conduzindo o narrador, que, por ignorar tudo sobre ela ou por não lhe ser muito
importante conhecê-la ou o mundo em que vivia,
sinuosamente, envereda por
elucubrações sobre a filosofia, a palavra, as crianças vítimas do desamor;
ou se distrai nas breves descrições da
cidade que ao redor dele pulsa e se agita nas sirenes das ambulâncias e dos
carros de bombeiro ou se mostra
iluminada no letreiro dos cinemas e teatros ou silenciosa, adormecida, anestesiada nas ruas que, à noite, ostentam apenas
placas de bancos, de escritórios, de consultório; ou, se detém no seu pobre
cotidiano, vazio e triste, de estudante pobre;
ou descreve uma farmácia com sua estante de remédios e suas vitrinas a
ostentar perfumes e vidros com líquidos verdes, avermelhados, azuis e o seu
quarto, iluminado por uma clarabóia e onde pontifica o mapa da América e se
espalham livros pelo chão; ou menciona as crueldades que fazem a História do
Continente com suas ditaduras de Militares na América no Sul, com suas sangrentas
tiranias na América Central; ou,
se deixa invadir, entre adormecido e
desperto, pelas fantasias que o fazem perceber a presença do pai que não está
com ele.
Assim,
mais do que a mulher que dá o seu nome ao livro e que ele, como narrador, tem o
poder de salvar do olvido, suas palavras, na verdade, buscam nas emoções e nas
dúvidas que viveu, refazer o itinerário de sua relação com o mundo nesse tempo
em que tinha vinte anos e que a jovem Inês Lara cruzou o seu caminho. E o
relato que faz, mostra um itinerário melancólico, triste, cheio de inquietudes
e desesperanças no qual não há lugar, ainda, para duradouros amores. Luminoso,
somente um momento, único e efêmero: quando tem diante de si um jardim de
rosas, de dálias, de margaridas, de violetas. Mas, esse pouco de água perfumada
a correr entre as raízes, na qual se reflete a tarde dourada e carmesim, o vôo das abelhas, o canto sussurrado de alguns pombos, o distante e senhorial chamado de alerta e de ameaça de um galo, o
passar barulhento das andorinhas, o perfume das flores, transmite uma calma que
o enerva e amedronta por levá-lo a sentir-se à mercê da vida e das
circunstâncias.
E,
consciente ou não, logo, se deixará levar pela vontade de Inês Lara que, diante
dele, na sua condição de serviçal da casa que ele visitava, passa um pano na
soleira da porta: com sabedoria, com sumo cuidado, quase como uma
cerimônia religiosa. E, ao terminar de fazê-lo, na verdade, ele sabe que
está apagando a juventude e as tristezas que haviam vivido, apagando quem eles
eram e a essa menina furiosa e
sonhadora que tinha sido, aquela que uma
tarde tinha falado de paixões nos livros e na vida [...]”.
Inês
Lara desaparece no interior da casa e a ele, ao narrador, só lhe restam as
perguntas não formuladas.
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