Em
1973, dois anos antes de sair do Chile para o exílio na Suíça onde iria morrer
em 1996, Carlos Droguett publicara El hombre que trasladaba las ciudades,
um romance belíssimo cujas surpreendentes e inusuais qualidades literárias, não
fossem os olhares míopes da crítica – ou por
aceitar apenas como válidos os parâmetros dos pólos irradiadores de
cultura ou porque não se dignam debruçar-se sobre obras que não sejam regidas
por esses parâmetros – o situariam como o que de melhor se escreveu, no
Continente, neste século que findou.
Em
Berna, ele continuou escrevendo sem parar, embora, raramente e muito pouco,
tenha vindo a publicar, então. Agora, no
seu país, cujo solo já lhe guarda as
cinzas, para lá transportadas, depois de tantos anos de indiferença, se
instaura um justo interesse por seus
textos. E a editora LOM (palavra que no idioma yamana quer dizer sol ) acaba
de publicar em Santiago, na sua coleção Narrativa, La Señorita Lara, sob o rótulo de romance, embora não possua estrutura
que justifique tal desinência, como tampouco, lhe conviria o rótulo de conto.

Terminado
em Berna no dia 16 de dezembro de 1979, o texto tem como assunto o
relacionamento de jovem estudante de curso noturno com uma colega. Porém, ainda
que a Señorita Lara, aparentemente, se constitua a razão de ser da narrativa, essa voz que relembra a
primeira e a última vez que a viu e num dizer em que são tênues as fronteiras
do presente e do passado, nesse tempo já ido e que deixa que se embaralhem
os fatos.
Sugerindo
lembranças mascaradas na confissão ficcional, o nome do narrador, Carlos, se
superpondo ao do autor. Um autor que se deseja presente e não se nega a disso
deixar testemunho. Quando confessa não poder dormir desde aquela primavera de
1918 em que lhe morreu a mãe ou, quando menciona o pai, Don Adolfo; ou, se refere aqueles que lhe deixaram
marcas, como o poeta Pablo Rokha ou o emocionaram como Utrillo, Mozarth, Van
Gogh, Rembrandt; e Cecília Valdés, a coitadinha e orgulhosa personagem do
romance homônimo de Cirilo Villaverde e Cuba, com seu belo povo, tão raivosamente sofredor e cheio de
esperanças. Ou, quando lembra o seu desejo de escrever peças teatrais como
os ingleses ou os escandinavos, de que iria se casar em março, de que a tia lhe
tricotara um suéter e lhe dera de presente um banquinho.No momento em que percebe ter, na tristeza, desejos de chorar e chorar e de chamar, depois de
tantos anos pela mãe.
Instauradas
tais incursões aos sentimentos que o
habitam, o autor os entremeia nessas pseudos memórias ou nesse pseudo romance
e, ao conceder, ao narrador,o itinerário das palavras, se permite refazer cada emoção de uma volta
ao passado que se amparando do real e do fictício, constrói esse mundo rico em
certezas e em interrogações que é o mundo de Carlos Droguett.
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