domingo, 3 de junho de 2001

La señorita Lara:o autor

            Em 1973, dois anos antes de sair do Chile para o exílio na Suíça onde iria morrer em 1996, Carlos Droguett publicara El hombre que trasladaba las ciudades, um romance belíssimo cujas surpreendentes e inusuais qualidades literárias, não fossem os olhares míopes da crítica – ou por  aceitar apenas como válidos os parâmetros dos pólos irradiadores de cultura ou porque não se dignam debruçar-se sobre obras que não sejam regidas por esses parâmetros – o situariam como o que de melhor se escreveu, no Continente,  neste século que findou.

            Em Berna, ele continuou escrevendo sem parar, embora, raramente e muito pouco, tenha vindo a publicar, então. Agora, no  seu país, cujo solo já lhe guarda as  cinzas, para lá transportadas,  depois de tantos anos de indiferença, se instaura um  justo interesse por seus textos. E a editora LOM (palavra que no idioma yamana quer dizer sol ) acaba de publicar em Santiago, na sua coleção Narrativa, La Señorita Lara,  sob o rótulo de romance, embora não possua estrutura que justifique tal desinência, como tampouco, lhe conviria o rótulo de conto.

            Terminado em Berna no dia 16 de dezembro de 1979, o texto tem como assunto o relacionamento de jovem estudante de curso noturno com uma colega. Porém, ainda que a Señorita Lara, aparentemente, se constitua a razão de ser  da narrativa, essa voz que relembra a primeira e a última vez que a viu e num dizer em que são tênues as fronteiras do presente e do passado, nesse tempo já ido e que deixa que se  embaralhem  os fatos. 

            Sugerindo lembranças mascaradas na confissão ficcional, o nome do narrador, Carlos, se superpondo ao do autor. Um autor que se deseja presente e não se nega a disso deixar testemunho. Quando confessa não poder dormir desde aquela primavera de 1918 em que lhe morreu a mãe ou, quando menciona o pai, Don Adolfo;  ou, se refere aqueles que lhe deixaram marcas, como o poeta Pablo Rokha ou o emocionaram como Utrillo, Mozarth, Van Gogh, Rembrandt;  e Cecília Valdés, a coitadinha e orgulhosa personagem do romance homônimo de Cirilo Villaverde e Cuba, com seu belo povo, tão raivosamente sofredor e cheio de esperanças. Ou, quando lembra o seu desejo de escrever peças teatrais como os ingleses ou os escandinavos, de que iria se casar em março, de que a tia lhe tricotara um suéter e lhe dera de presente um banquinho.No momento em que  percebe ter, na tristeza, desejos de chorar e chorar e de chamar, depois de tantos anos pela mãe.

            Instauradas tais incursões  aos sentimentos que o habitam, o autor os entremeia nessas pseudos memórias ou nesse pseudo romance e, ao conceder, ao narrador,o itinerário das palavras,   se permite refazer cada emoção de uma volta ao passado que se amparando do real e do fictício, constrói esse mundo rico em certezas e em interrogações que é o mundo de Carlos Droguett.        

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