Sua
obra se inscreve no “criollismo”, corrente literária que surgiu nos inícios do
século XX e, segundo Jean Franco, se dirige às classes urbanas, no desejo,
moralista, de remediar a situação social que condenava as zonas rurais ao
atraso e à pobreza. É uma vasta obra, constituída de contos e romances, textos
evocativos, histórias para crianças e ensaio. Seu pequeno livro, Hombre-flauta y otros cuentos, que abriga cinco relatos, apareceu,
em 1988, pela Ediciones de la Banda Oriental de Montevidéu, num momento em que
o “criollismo” parecia estar em vias de extinção.
O
conto que dá o título ao volume, já publicado em outra coletânea, De sol a sol, data dos primeiros anos da década de cinqüenta. Como outros,
se trata de uma narrativa – e alguém já o assinalou – que se mantém fiel à
realidade que Julio C. Da Rosa escolheu para a sua elaboração literária: um
espaço interiorano, o da cidade de Treinta y Três e seus arredores, habitado
por gente simples e de limitados horizontes. O relato se inicia com lembranças
daqueles que o conheceram bem pequeno: um pirralhinho pelo qual ninguém daria dois
vinténs. E sempre com a flauta na boca, nas tardes de domingo, muito perto
da banda que ia tocar na praça. Logo, o narrar desse passado a partir de seu
pobre nascimento (Parece meio
anormalzinho, comadre.), de sua pobre infância, das horas perdidas nos
bancos da escola, até essa descoberta dos primeiros sons tirados da flauta e de
todos os outros que se foram seguindo e que lhe deram um inesperado lugar no
mundo: o de músico de todas as festas, de todos os bailes. Depois, o progresso
chegando na cidade, com seus músicos profissionais, o foi enxotando pouco a pouco
do lugar que tinha sido sempre o seu. Já velho, caminha pelas ruas, vendendo
bilhetes de loteria. Só à tardinha, ao voltar para casa, se põe a tocar, horas perdidas, repassando o velho
repertório.
História
de uma vida, apenas iluminada pela paixão que se nutre de muito pouco - correr
atrás de qualquer um que assobiasse, para reproduzir-lhe os sons, procurar uma
casa com vitrola ou a proximidade da banda de música para ouvir e tirar de
ouvido uma peça musical era o máximo que podia conseguir. No entanto, pela
estrutura narrativa, sabiamente combinando passado e presente, pelos breves
traços fixando no tempo a cidade que se depois se transforma, pelos preciosos
achados de estilo, Julio C. Da Rosa faz dessa história um texto exemplar. E de
grande lirismo quando se detém na figura da mãe .Ela não tem nome, nem
história, apenas solidão e pobreza e o
que a retrata é esse poder imenso de sentir. Um amor desesperado e triste
diante do filho torto e de cabeça enorme desproporcional, diante de seu
tartamudear de tantos anos. Um sofrimento que se agiganta, na tarde em que a
professora, com muitos e longos rodeios, a faz compreender, dizendo dos anos
vãos e que ainda havia razões para chorar. E na imensa emoção quando da flauta
que o filho soprava e soprava, um dia, saem as notas da canção de ninar, o único
que ela lhe havia cantado: Mais
suavezinho que um fio de seda ela sentiu que a envolvia. Como um quase nada. Algo como a luz da lua que toca, mas que
não se sente. E vindo de muito longe, como a luz da lua. De muito além da vida
e do mundo e de tudo (...). Dormiu no seu som mal desenhado a dois dedos, sobre
o silêncio da noite.
Nas
entrelinhas do relato, fragmentos da realidade dos que foram relegados, desde
sempre, ou pelos seus semelhantes ou pela estrutura social que os condena, sem
salvação, a viver na pobreza, alijados de tudo, até mesmo dos sonhos mais
singelos.






