domingo, 7 de março de 1999

Amalia, romance histórico. A natureza


                                                                       Amalia é o primeiro romance argentino. Foi
                                                           escrito em 1851, na cidade de Montevidéu, onde
                                                           José Mármol, seu autor, se refugiara da ditadura de
                                                           Manuel Rosas. 
 
          Amalia é um romance de ação. Salvo por um amigo, da polícia de Rosas, Eduardo Belgrano deve se esconder para não ser morto. Na casa de Amalia Sáenz de Olabarrieta, em que recebe abrigo, é por ela cuidado de seus ferimentos e a convivência faz com que se apaixonem. Numa tarde, são surpreendidos pela visita da cunhada do tirano que nele reconhece aquele que tinha escapado da morte. Eduardo Belgrano deve outra vez fugir e procurar abrigo alhures para tentar novamente o refúgio em Montevidéu. No dia de seu casamento com Amalia, véspera da partida para a outra margem do Prata, a polícia irrompe na casa onde se escondiam e na violência do confronto, ele perde a vida.

           No relato desse trágico amor, pretexto para documentar a vida em Buenos Aires sob a tirania de Juan Manuel Rosas, estão presentes todos os artifícios românticos: lágrimas, agouros, juras, tristezas, religiosidade, perfeições maniqueístas. E a obrigatoriedade de se curvar à natureza o que significa, nesse romance de José Mármol, o referir-se, umas poucas vezes, ao amanhecer ou ao anoitecer, momentos cambiantes que ele, como poeta dos versos profusamente líricos de Armonías, fixa com  expressões exuberantes que, mais do que nada, servem para definir o que se passa na  infeliz Buenos Aires. Para ele, uma cidade em que a luz do sol não serve senão para tornar mais visível a lôbrega e terrível noite de sua vida, sob cujas sombras se revolviam em caos, as esperanças e o desengano, a virtude e o crime, o sofrimento e o desespero. Opondo-se a essas trevas determinadas pelo tirano, ao silêncio sepulcral da cidade, longe, no horizonte, uma vida pujante a desabrochar. Breve pausa na narrativa, as referências que se sucedem a delinear a alegria, emergindo do relinchar dos potros selvagens na solidão do pampa, da correria dos touros em busca da água gelada dos arroios, do saltar dos pássaros nas copas das árvores, do abrir das pétalas coloridas em meio ao trevo dos campos. Momento luminoso em Amalia, perfeitamente claro na sua intenção de mostrar mais sombria e cruel a atmosfera reinante em Buenos Aires nesse repetir de misérias e humilhações que viviam os opositores de Rosas.


          Porque foi essa a intenção de José Mármol. E o ideário romântico do qual se serviu, vigente na época em que escreveu o seu romance, foi-lhe precioso na medida em que lhe permitiu criar personagens convictos de seus ideais patrióticos, servir-se de uma linguagem grandiloqüente, comprometida com suas razões e tratar a natureza como algo relacionado ao mundo que deseja retratar. Assim, em Amalia, ela não estará em acorde ou em discrepância com o sentir dos homens como indivíduo, o que é usual nas obras românticas, mas com o que se passa na cidade onde impera a tirania e com os homens a esta tirania submetidos: A primavera começava para a Natureza. Mas, ai!,o âmbar da flor ia se extinguir entre o cheiro de sangue. O campo ia perder seu manto de esmeralda com as manchas de sangue que nem o passar dos anos apagaria. O arroio ia levar  sangue na sua corrente. A luz do dia a se envolver entre o vapor de sangue. E os astros que mancham o manto celeste de Deus,  iam quebrar seu tênue raio sobre os charcos de sangue.

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