Quando
foi preso por se opor à ditadura de Juan Manuel Rosas, José Mármol ainda era
estudante. Com palitos de erva mate carbonizados na chama da vela, escreveu,
nas paredes da cela, seus primeiros versos contra o ditador. Mais tarde,
exilado, em Montevidéu, num longo romance romântico, continuou sua crítica ao
tirano. A par dos amores de Amalia e Eduardo, estão presentes, nessas páginas,
as crenças mais profundas de um homem que lutou, com atos e com palavras, pela
liberdade de sua pátria o quê era, no seu entender, libertá-la daquele que a
conduzia. Entremeados às seqüências narrativas e descritivas do romance,
verdadeiros anátemas contra Rosas e seus esbirros; por vezes, considerações
sobre a plebe que o segue ou alguma idéia para a reconstrução da sociedade
quando ela se veja livre do tirano. Assim, Rosas é o messias de sangue,
esperado pela plebe; seu chefe de polícia, uma guilhotina humana e seus seguidores essa multidão obscura e prostituída que ele tinha levantado do lodo da sociedade, a plebe
argentina, filha fanática da superstição
espanhola para entoar hinos de morte
em louvor do absolutismo e da ignorância. Uma plebe ignorante que buscava,
diz o romancista, o momento para reagir contra a ordem e a civilização.
No
capítulo VIII da segunda parte do romance, reúnem-se, às escondidas, vinte e um
jovens dos trinta e quatro convocados por Daniel Bello, personagem que, no
relato, expressa as idéias do autor. Ele lhes propõe criar uma associação que
reúna aqueles que desejam se antepor a Rosas, acreditando que só a união
possibilitará sistematizar a defesa,
anulando a situação de vítimas que será a de cada um, se permanecerem isolados
uns dos outros. Propõe que fiquem unidos para se defender da Mazorca ( assim
era identificada a Sociedade Popular Restauradora, criada em 1833 para
consolidar o poder de Juan Manuel
Rosas, que eliminava os seus opositores,
de preferência, publicamente), para esperar pela revolução, para enforcar o
tirano. Num olhar para o futuro que, livre de Rosas, se vislumbra próximo, a
crença na associação como um caminho para organizar a nova sociedade que irá se
erguer: associação na política para dar-lhe liberdade e leis; no comércio, na
indústria, na literatura e na ciência para dar-lhe ilustração e progresso; nas
doutrinas do cristianismo para conquistar a moral e as virtudes que lhe faltam.
É um esboço de programa no qual José Mármol sintetiza o que não deixa de
mencionar ao longo das páginas de seu romance: a ignorância e a falta de
princípios do povo argentino na época da ditadura e que se contrapõe à cultura
e à integridade da elite, formada pelos unitários, opositores de Rosas. Em Amalia, eles se distinguem dos
federais, os partidários de Rosas, pela fisionomia e pelo modo de vestir, pela
inteligência e pela cultura, principalmente por esse desejo de se espelhar na
Europa o que é muito bem traduzido por Daniel Bello quando pretende, para o seu
país, o ser forte, o ser poderoso o ser europeu na América.

