domingo, 21 de fevereiro de 1999

O escritor e o Poder. Manuel Scorza

           Walter Mauro e Elena Clementelli não puseram data na entrevista feita, no Bairro Latino de Paris, com Manuel Scorza, o autor de Redoble por Rancas e Historia de Garabombo el invisible. Mas, pela data de publicação do livro em que foi incluída (La Trappola e la Nuditá, Rizzoli, Milão), sabe-se que foi antes de 1974. Como tantos outros, quase todos, o escritor peruano fora a Paris em busca de uma vida cultural, sempre motivo de atração para a elite latino-americana. Já um autor de sucesso, Manuel Scorza diz não ter ido ao Velho Continente em busca de modelos ou de aplausos e como um escritor do Continente é que responde às perguntas, mostrando-se extremamente leal às suas origens.
             Filho de pais que pertenciam às minorias oprimidas do país, desde pequeno ouviu-lhes as histórias de uma vida de perigos e misérias e dessa dor lhe nasceram as primeiras inquietações sociais. Ainda na adolescência, se uniu à organizações  que lutavam contra o ditador de turno. Na Universidade, as ações políticas o levaram à prisão e a um exílio de sete anos nos quais percorreu a América e assistiu, petrificado, ao seu drama. Foi o momento de tomada de consciência que lhe irá assinalar o caminho de escritor e do papel que deve representar nas sociedade latino-americana. Assim, no seu entender, o principal dever do romancista na América Latina é criar uma linguagem histórica própria que liberte das falsidades impostas pelos colonizadores o que significa livrar a primeira batalha pela liberação da palavra. Eleva-se, então, a voz do Continente para descrever o seu mundo num romance que Manuel Scorza define como a ágora: a praça na qual são planteados os problemas – provenham eles de qualquer espaço, de qualquer cultura – que aterrorizam a América Latina. Porque, ele diz, em países onde a liberdade é pouca, onde não existem filósofos e a imprensa é manietada, o romance se converte nesse lugar amplo e irrestrito onde se expressam os conflitos. Na verdade, ninguém ignora que esses conflitos são calados ou porque os habitantes do Continente foram treinados para deles não se dar conta ou porque lhes é impedida qualquer manifestação que mude as regras e as leis, - isto é sabido- foram feitas pela minoria e em seu próprio proveito.

          Em Redoble por Rancas, o personagem central é símbolo da injustiça do Poder. Quando o livro foi publicado, um prisioneiro que cumpria pena numa cárcere da selva amazônica peruana, escreveu uma carta para uma revista de Lima, dizendo: “Eu existo, sou o personagem que aparece em Rancas. Suas palavras provocaram emoção no Peru e fizeram com que o Presidente lhe concedesse a liberdade, afirmando que o fazia em consideração ao fato de ser o prisioneiro um símbolo da dor e do sofrimento dos meeiros.

            Libertar uma das vítimas do Sistema foi um gesto caridoso que ensejou ao Presidente a almejada admiração popular. Não mudou, porém, o que quer que fosse para que o círculo de miséria e injustiça fosse quebrado.
            
              Sem dúvida, um expressivo exemplo de desencontro entre o Poder e o Escritor.

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