domingo, 28 de fevereiro de 1999

Amalia, romance histórico. A cidade.


Amalia é o primeiro romance argentino. Foi escrito em 185l, na cidade de Montevidéu, onde José Mármol, seu autor, se refugiara da ditadura de Juan Manuel Rosas.
                       
           O primeiro capítulo de Amalia, narra a tentativa de fuga de seis unitários  (opositores de Rosas) na noite de 4 de maio de 1840. Caminhavam em direção ao lugar onde tomariam a barca para Montevidéu quando, traídos pelo guia, são atacados pelos homens de Rosas. Assim, eles tratavam de impedi-los de abandonar Buenos Aires para se reunir ao exército de Lavalle que lutava contra o tirano.

           O itinerário dos fugitivos é detalhadamente mencionado: rua Belgrano, Balcarce, Venezuela, San Lorenzo e Reconquista onde se passa o confronto em que cinco deles irão morrer. Aquele que se salva alcança as barrancas do rio e recebe ajuda de um amigo que o irá conduzir pelas ruas Reconquista, Brasil, Patagones, Marcó a um lugar seguro.

          Buenos Aires se delineia, então, ao longo da narrativa, pelos seus topônimos e por breves descrições que a farão uma presença inconfundível no romance. José Mármol fala de suas torres e capitéis, das margens banhadas pelo Prata, de suas ruas espaçosas e retas, do quadrado de seus edifícios. Mas, sobretudo, da atmosfera reinante onde predomina o medo, levando ao reinado do silêncio. Mal se apagava o último crepúsculo da tarde e a cidade ficava deserta. As ruas guardadas pela polícia de Rosas, os cafés e confeitarias, as praças e as portas dos templos, invadidos por homens de aspecto tremebundo e sangrento, sempre com o punhal à mostra na cintura. Cada família encerrava o pai e os filhos em casa e a simples ação de passear pelas ruas, nessa época, se constituía, já, um confessar de adesão política que muitos queriam evitar. Em todos os lugares, diz o romancista, os tiranos perseguem um partido, uma crença, uma idéia mas em Buenos Aires todos viviam sob a égide da suspeita. E, a cidade que os poetas tinham chamado de a Imperatriz do Prata, a Atenas americana, a Roma do Novo Mundo, sob o domínio de Rosas, se achava desamparada do olhar de Deus e se despovoava de seus filhos. Ou, procurados pela polícia de Rosas, eles se escondiam ou tendo coragem e dinheiro, emigravam, ficando apenas, no dizer de um personagem, as mulheres e os tigres.


          No dizer de Jean Franco (Historia de la literatura hispanoamericana), Buenos Aires aparece, nesse romance de José Marmol, como uma cidade verdadeiramente tenebrosa. Cenário perfeito para os crimes que aí se cometiam.                              

domingo, 21 de fevereiro de 1999

O escritor e o Poder. Manuel Scorza

           Walter Mauro e Elena Clementelli não puseram data na entrevista feita, no Bairro Latino de Paris, com Manuel Scorza, o autor de Redoble por Rancas e Historia de Garabombo el invisible. Mas, pela data de publicação do livro em que foi incluída (La Trappola e la Nuditá, Rizzoli, Milão), sabe-se que foi antes de 1974. Como tantos outros, quase todos, o escritor peruano fora a Paris em busca de uma vida cultural, sempre motivo de atração para a elite latino-americana. Já um autor de sucesso, Manuel Scorza diz não ter ido ao Velho Continente em busca de modelos ou de aplausos e como um escritor do Continente é que responde às perguntas, mostrando-se extremamente leal às suas origens.
             Filho de pais que pertenciam às minorias oprimidas do país, desde pequeno ouviu-lhes as histórias de uma vida de perigos e misérias e dessa dor lhe nasceram as primeiras inquietações sociais. Ainda na adolescência, se uniu à organizações  que lutavam contra o ditador de turno. Na Universidade, as ações políticas o levaram à prisão e a um exílio de sete anos nos quais percorreu a América e assistiu, petrificado, ao seu drama. Foi o momento de tomada de consciência que lhe irá assinalar o caminho de escritor e do papel que deve representar nas sociedade latino-americana. Assim, no seu entender, o principal dever do romancista na América Latina é criar uma linguagem histórica própria que liberte das falsidades impostas pelos colonizadores o que significa livrar a primeira batalha pela liberação da palavra. Eleva-se, então, a voz do Continente para descrever o seu mundo num romance que Manuel Scorza define como a ágora: a praça na qual são planteados os problemas – provenham eles de qualquer espaço, de qualquer cultura – que aterrorizam a América Latina. Porque, ele diz, em países onde a liberdade é pouca, onde não existem filósofos e a imprensa é manietada, o romance se converte nesse lugar amplo e irrestrito onde se expressam os conflitos. Na verdade, ninguém ignora que esses conflitos são calados ou porque os habitantes do Continente foram treinados para deles não se dar conta ou porque lhes é impedida qualquer manifestação que mude as regras e as leis, - isto é sabido- foram feitas pela minoria e em seu próprio proveito.

          Em Redoble por Rancas, o personagem central é símbolo da injustiça do Poder. Quando o livro foi publicado, um prisioneiro que cumpria pena numa cárcere da selva amazônica peruana, escreveu uma carta para uma revista de Lima, dizendo: “Eu existo, sou o personagem que aparece em Rancas. Suas palavras provocaram emoção no Peru e fizeram com que o Presidente lhe concedesse a liberdade, afirmando que o fazia em consideração ao fato de ser o prisioneiro um símbolo da dor e do sofrimento dos meeiros.

            Libertar uma das vítimas do Sistema foi um gesto caridoso que ensejou ao Presidente a almejada admiração popular. Não mudou, porém, o que quer que fosse para que o círculo de miséria e injustiça fosse quebrado.
            
              Sem dúvida, um expressivo exemplo de desencontro entre o Poder e o Escritor.

domingo, 14 de fevereiro de 1999

O Escritor e o Poder. Carlos Fuentes.

          Com data de setembro de 1973, a entrevista que Walter Mauro e Elena Clementelli fizeram com o mexicano Carlos Fuentes. Foi publicada no ano seguinte, parte do volume La trappola e la nuditá (Rizzoli Editore, Milão) que, traduzido para o espanhol em 1975, apareceu em Barcelona, pela Caralt, sob o título Los escritores frente al Poder.

           Carlos Fuentes estava em Paris quando respondeu às perguntas formuladas e contou que o primeiro conflito em que se viu mergulhado e que o fez se dar conta de que o mundo não é um mar de rosas foi o ter se tornado, aos  olhos de seus colegas, num colégio norte-americano, um menino mexicano maldito, comunista no qual era preciso bater, ao qual era preciso insultar porque nesse ano de 1938, o presidente do México havia expropriado o seu petróleo em detrimento dos que, até então, o explorara: os gringos. Carlos Fuentes tinha, então, nove anos. Ao voltar seu pai para o México, depois de ter sido Conselheiro na Embaixada Mexicana nos Estados Unidos, ele já era um adolescente e, pela primeira vez, passou a freqüentar um colégio religioso, enfrentando as duras provas – ele confessa que o traumatizaram – de uma hierarquia fechada e classista. Foram agressões sobre as quais, não tinha, no momento, pela sua pouca idade, condições de entender totalmente os motivos que as originavam. Mais tarde, já adulto, não somente apreende esse jogo do Poder, como lhe fica, muito claro, o peso que ele exerce nos espaços do Continente e que define como despótico, dogmático e monolítico. Um Poder que faz com que o escritor desempenhe, em grande medida, uma função informativa que os meios de comunicação domesticados ou inexistentes não podem exercer. Função informativa que, ao se opor ao Poder, confere ao escritor uma função revolucionária. Compete-lhe, então, romper os quatro séculos de silêncio e reescrever a História da América, combatendo, assim, o maniqueísmo dos discursos, dos manuais, das leis que imperam desde que os ibéricos aportaram no Novo Mundo.

          E isto, de fato, parece imprescindível no Continente, pois ele está sempre submisso aos despautérios de seus déspotas. Porque é ainda um espaço extremamente frágil e transitório diz Carlos Fuentes, em que a figura do tirano tem sido uma constante, em que , ainda é preciso escolher entre a civilização e a barbárie, entre criar uma comunidade e estabelecer uma convivência ou viver sob a bota, a tortura, a opressão e a rendição ao domínio dos Estados Unidos. Por isso, acredita que o escritor latino-americano tem muito a dizer. Sobretudo porque no Continente, ao longo de sua Historia, os homens não apenas foram assassinados como foram assassinados os sonhos que sonharam.

           E esses, no seu entender, também, devem ser recuperados.

domingo, 7 de fevereiro de 1999

O Escritor e o Poder. Miguel Angel Asturias

           Em 1974 a Rizzoli Editori de Milão publicou La Trappola e la Nuditá que, no ano seguinte, foi traduzido para o espanhol, editado pela Caralt de Barcelona sob o título Los escritores frente al poder.

            Recolhidos por Walter Mauro e Elena Clementelli são depoimentos de vinte e um escritores contemporâneos que dizem de sua relação com o Poder seja o religioso, seja o político, seja o econômico. Dentre eles, Pablo Neruda, Carlos Fuentes, Gabriel García Márquez, Ernesto Sabato, Mario Vargas Llosa, Manuel Scorza e Miguel Angel Asturias fazem parte da lista e que os entrevistadores encontraram ao longo dos anos e em diferentes lugares.

             Em Mallorca foi o encontro com Miguel Angel Asturias. Autor de El señor Presidente, um clássico romance da ditadura, precisamente aquela que se instalou no seu país em 1898, um ano antes de seu nascimento e sob cuja égide passou a infância e a adolescência. No seu testemunho, começa por  lembrar a casa enorme onde passou seus primeiros anos que permanecia, sempre, com as portas e as janelas fechadas. No seu interior, a família levava uma vida de clausura, movida pelo terror que inspirava a ditadura de Manuel Estrada Cabrera. Depois, relata o episódio de sua prisão que durou dezessete dias, para pagar, junto com outros estudantes, o crime de ter ido ao teatro.

              A sua casa, como a de muitos outros guatemaltecos, onde as pessoas se moviam silenciosas e cheias de cautela e a experiência da prisão (lúgubre, suja, repugnante, trágica) constituem a realidade sobre a qual se estrutura o livro que lhe deu o Prêmio Nobel. A realidade  não lhe permite isolar-se dos acontecimentos ao seu redor e, diante somente é permitida  à convicção de que não é possível ser escritor apolítico em países onde existam problemas tão  sanguinários e terríveis [..],) onde o poder se filtra, se insinua, onde prevalece a constante satrapia, a violação dos direitos humanos, a insegurança das pessoas.

              E por se comprometer com o seu povo, dele deve se afastar para viver o  exílio e, então, cumprir o fado que acredita ser o da Literatura hispano-americana: tter, em tantas vezes, seus grandes escritores produzindo em terra alheia.

             É que os poderosos da América, num longo tempo que não termina – sejam ditadores confessos ou  aqueles que se escamoteiam sob o rótulo de presidente – não suportam  que haja alguém passível de pensar ou que, simplesmente, seja capaz de ver o que existe ao redor. Na maioria dos casos, no Continente, alguns ricos rodeados de muita miséria por todos os lados.