Sem
se dar conta de que um grupo de cristãos
acampara em terras que estavam fora de sua jurisdição, Juan Núñez de Prado, num
anoitecer de 1550 o ataca. A luta, diz Vicente Sierra na sua História
de la Argentina (Buenos Aires, Unión
de Escritores Latinos, l), durou pouco pois o atacante, percebendo a
superioridade do inimigo, optou por se retirar.
Mas, foi perseguido até Barco, cidade que fundara. Ali chegou com seus
homens o capitão Francisco de Villagra que ele havia atacado. Na cidade, ele se
hospedou no rancho de Alonzo Díaz onde
chegou Núñez de Prado para oferecer-lhe
sua espada e assumir a responsabilidade pelo ocorrido. Villagra a devolveu e o
abraçou em sinal de concórdia.
No romance de Carlos Droguett, El hombre que trasladaba las ciudades
(Barcelona, Noguer, 1973) que tem origem nesse episódio, a visita é narrada
demoradamente. Entre o momento em que batem à porta de Juan Núñez de Prado,
anunciando-lhe a chegada do inimigo até aquele em que o capitão Villagra deixa
a cidade, a ação e os diálogos são breves e rápidos mas inseridos em cinqüenta
páginas nas quais se entremeiam sonhos, pesadelos, descrições do que Juan Núñez
de Prado percebe ao seu redor, enumeração de objetos, seqüências em que se
sucedem as ações dos soldados, expressão da consciência de Juan Núñez de Prado.
Há pequenas informações – apagou a luz,
caminhou e apagou a luz do outro quarto e passeou de pés descalços, olhando o chão, sentou-se com desalento na cadeira, ou pegou a espada ou abriu a porta – que
antecedem a sua chegada diante do capitão Francisco de Villagra, antes de lhe
prestar vassalagem, ajoelhado com a espada diante dele: don Francisco se aproximou dele, ainda sem lhe dizer nada, para
assustá-lo, para deixá-lo cheio de dúvidas e tristeza, inerte, desamparado,
sozinho, cada vez mais ensimesmado e pesaroso, o pegou pelo braço e o
conquistava pouco a pouco, apertando-se contra ele, na direção de seus desejos
de conquista, na direção de suas ambições, sugando-o como o vento das
planícies, como o mar no golfo, quando o incêndio tinha chegado até a praia e
ele via os espanhóis afundados na água gritar com certa tranqüilidade, certa
certeza de que a noite não podia durar e, do outro lado, estava o exército dos
astecas, imensamente calado e compreendeu, então que tudo isso estava perdido
para o índio e ganho para eles [...].
Fiel
ao texto histórico, no texto ficcional um personagem se submete e o outro se mostra magnânimo. Porém, compete
ao ficcionista libertá-los da rigidez a que o documento oficial os condena,
humanizando-os: atribui ao capitão Francisco de Villagra intenções ainda não confessadas
e com o generoso uso do adjetivo, faz de Juan Núñez de Prado, na sua fragilidade,
um homem distante do que foi requerido pela Conquista, quando esteve presente na
batalha em que os astecas foram submetidos. Episódio que se apresenta no relato nessas lembranças que de maneira
fugaz vez ou outra lhe perpassam pela
mente.
Carlos
Droguett não se afasta da realidade do texto histórico. Sim, de sua
objetividade e fala de sentimentos, de gestos, de lembranças que individualizam
o seu personagem sem deixar de mostrá-lo como parte desse imenso processo
histórico que foi a Conquista do Continente.

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