Água estagnada, lixo, o canteiro de alvaces amarelas,
a sombra da mangueira. Por cima do muro baixo ao fundo,
vem-se pipas,montes de cisco e cacos de vidro,um homem
triste que enche dornas sob um telheiro, uma mulher magra.
a sombra da mangueira. Por cima do muro baixo ao fundo,
vem-se pipas,montes de cisco e cacos de vidro,um homem
triste que enche dornas sob um telheiro, uma mulher magra.
Gracicliano Ramos.
Graciliano
Ramos tinha quarenta e quatro anos e fora preso por suas opiniões políticas
quando, em 1936, aparece Angústia. É
o terceiro de seus livros publicados, um romance, verdadeiramente, denso e
cruel que Antônio Cândido qualifica de tumultuosa
exuberância. Como Caetés e São Bernardo, é escrito na primeira
pessoa: um longo monólogo de Luiz da Silva, contando de seu viver rasteiro,
miserável, solitário, tristonho, nessa Maceió de tons sombrios e deprimentes.
Ele
vive numa pobre casa de aluguel, inconveniente,
cheia de barulhos, parece mal assombrada.
De vez em quando, o madeirame, eivado de bichos, estala. E pululam os ratos
pelo chão e pelos armários. E pululam as pulgas, e as cadeiras são ordinárias,
não há quadros nem tapetes.
Funcionário
público, homem de ocupação marcado pelo
regulamento, tem os olhos baços, o nariz grosso, um sorriso besta,
é mal vestido e mal calçado. Rabiscando artigos de jornal, Luiz da Silva possui
uma visão de mundo que vai pouco além do quintal de sua casa e se fecha num
círculo de relações, no qual não cabem muitos: a criada Vitória; Ivo, o
eventual conviva; Moisés, o judeu da prestação e logo os vizinhos e Julião
Tavares, que impõe sua presença, e os tipos que vislumbra no café onde vai para
se distrair.
Em
determinado momento de seu monólogo, diz onde mora: Rua do Macena, perto da usina
elétrica. E acrescenta: a casa onde
moramos não tem importância grande demais. Para a sua história o que vale é
o quintal. Pois, ali, é que viu Marina pela primeira vez. Ali, falou com ela e
lhe fez carinhos. Mas, também, é dali que seu olhar irá fixar, quantas vezes,
os monturos, a água estagnada, o monte de lixo, as florzinhas desbotadas, as
roseiras maltratadas, os montes de cisco, os cacos de vidro, o canteiro de
alfaces amarelas, a mulher a lavar garrafas, o homem a encher as dornas.
Referências que aparecem e tornam a aparecer
num repetir-se que não deixa esquecer a intenção de documentar essa espécie de
submundo -t tudo tão pobre e sujo e feio e triste - em que se movimenta Luiz da
Silva.
Porque,
se a narrativa se faz de um fugaz romance, de lembranças do passado, da
mediocridade de um melancólico viver cotidiano e de um crime, aparentemente
passional, as notações sobre uma realidade degradada estão presentes com uma
força que não permite ignorar as incongruências sociais. Embora se trate de um
romance em que, mais do que indagar-se sobre si mesmo, quer dizer das relações
com o outro.
Tecnicamente,
diz Antônio Cândido, é seu livro mais complexo. Sem dúvida, nele se mostra
Graciliano Ramos, senhor absoluto de seus recursos narrativos e esse
entrelaçamento, tão solidamente burilado entre o mostrar as agruras da alma e o
perceber a vida penosa dos marginalizados, se constitui um todo em que emerge
uma adequação perfeita.
Nenhum comentário:
Postar um comentário