Pelas histórias que se entrelaçam, por um certo uso dos tempos verbais e pela escolha dos adjetivos, lembra Gabriel García Márquez de Cien años de soledad : o
extenso romance que David Sanchez Juliao
acaba de publicar pela Grisalbo, da Colômbia, e que tem por título Danza de redención.
Antecedendo
o primeiro dos seis capítulos, um breve bilhete, incompreensível, que, se
tornará claro, somente após a leitura das últimas linhas do romance En el principio era el vals que serão as
mesmas linhas com que a narração se inicia. E, nas primeiras linhas, claramente
expressa a separação que reina, dividindo a cidade das cento e trinta ruas:
Calle Arriba e Calle Abajo.
Calle
Arriba ouve valsas, a música dos
espíritos do bem que reencarna nas partituras importadas. Calle Abajo, se
expressa pelas sementes das maracas e
pelo couro dos tambores cujo som
havia nascido ali mesmo para não morrer nunca.
Na
verdade, a distância entre os habitantes se mede pela diferença de sangue e pela
posse de terras mais do que pelos
instrumentos musicais que eles tocam: Calle Arriba, o piano; Calle Abajo, o
tambor, a gaita e as flautas índias.
E
sobre músicas, músicos, interpretações e danças, se fará o romance.
A
vida de uma família que vai se formando é o fio condutor do relato ao qual se
acrescentam muitas outras histórias de outras vidas num suceder interminável de
seqüências. Algumas, se completam aos poucos como a de Maria Cayena, a parteira
dançarina, ou como a de Saul Sánchez que desenganado de se fazer amar pela
mulher que escolhera, opta por se transformar em caimão, para tristeza
incomensurável de sua mãe. Depois, quer outra vez voltar a ser humano mas não
mais consegue ser feliz como homem e volta
às águas, agora, em companhia da mulher e do filho. Outras, se
constituem de pequenas referências como a que concerne ao Padre Marcial. Chegou
a San Fernando de Cumbé - pequena cidade
abandonada de todo deus mas habitada por seres resignados à fatalidade - para
tomar o lugar do padre que falecera. Mal termina de rezar a primeira missa, já
cansado, se alegra ao ouvir um paroquiano lhe dizer que a recepção em sua
honra, que se faria no Club San Fernando, fora cancelada. Graças a Deus, ele
murmura, para logo perguntar, em tom casual, se tal se deve à chuva que estava
a cair. Não, padre titubeou o
paroquiano, inseguro, que tomando ar, continuou: Devo lhe confessar a verdade. Aqui as pessoas de cor não podem entrar
no clube, a não ser que, músicos, sejam convidados para tocar. Ao padre só lhe restou procurar, com
os olhos, o crucifixo na parede, fazer o sinal da cruz e dizer -Seja feita, Senhor, tua Santa Vontade.
Porque é possível imaginar que muito ele poderia estar disposto a fazer pelo
seu rebanho, mas lhe resultava impossível mudar de cor de pele.
O
registro dos preconceitos, o testemunho dos mitos, a fixação dos costumes,
mostram Danza de redención como um
enraizar nos temas do Continente. E a fertilíssima imaginação de David Sánchez
Juliao, o poder de sua linguagem ricamente expressiva e esse renovar-se do
relato em mil histórias fazem de seu romance –como já o haviam feito
anteriormente Pero sigo siendo el rey
e América, América – uma obra
ideologicamente coerente com a realidade da América Latina o quê é reafirmado
pela vibrante criatividade de sua
feitura.


