Como o sub-título “viagem à semente” o indica, o biógrafo, na sua grande e exaustiva pesquisa sobre o seu conterrâneo, quis encontrar o ponto de partida e os caminhos que levaram a Cien años de soledad.
Começa
o livro a se ocupar, minuciosamente, dos ancestrais de Gabriel García Márquez;
depois, de seus primeiros anos, de seus estudos adolescentes, de suas primeiras
experiências como autor, de sua vivência européia, da elaboração de cada um de
seus livros que antecederam a Cien años
de soledad.
Permanente,
a preocupação com a origem do romance, que deu o Prêmio Nobel a seu autor, cuja
feitura foi seguindo, ao longo dos anos que durou a sua elaboração a partir
desse começo em Cartagena de Índias, nas longas tiras de papel jornal, pelos
idos de 1948. O original chamava-se, nessa época, La Casa e, muitas vezes, foi
deixado de lado. Porque Gabriel García Márquez, repetidamente, se enchia de
dúvidas, sem saber, muito bem como, nem
para onde ia. Mas, sem abandonar nunca o projeto até chegar a esse momento
em que viu, muito claro, o romance inteiro e, principalmente, se deu conta do
tom no qual ele deveria ser narrado. Então, se encerrou no estúdio que
denominou “La cueva de la Mafia”: um espaço mínimo porém bem iluminado, de
uns três metros de comprimento por dois e meio de largura, com um pequeno
quarto de banho, uma porta e uma janela para o pátio, um divã, uma estante de
livros e uma mesa de madeira com uma máquina Olivetti.
Esta decisão de, finalmente, se dedicar, por
inteiro, ao romance teria acontecido em meados de julho de 1965 (como esclarece
Dasso Saldívar, após rebater afirmações de Mario Vargas Llosa e do próprio
Gabriel García Márquez que mencionam outras datas ) e se prolongado por
quatorze meses durante os quais Gabriel
García Márquez escrevia das oito e meia da manhã às duas e meia da tarde. O
restante da tarde dedicava à documentação, às notas e aos esquemas de trabalho
para o dia seguinte e as noites a conversas com os amigos das quais não se
excluía a composição do romance.
E os trechos prontos iam sendo lidos
pelos amigos. Alguns, publicados em
revistas literárias. Quando o manuscrito dos quatro primeiros capítulos chegou
à editora Sudamericana de Buenos Aires, já tinha sido lido, com entusiasmo,
pelos ficcionistas Carlos Fuentes e
Julio Cortázar e pelos críticos Emir Rodríguez Monegal e Emmanuel Carballo. E o
leitor da editora, Francisco Porrua , o considerou uma obra prima. Tanto que
logo enviou a Gabriel García Márquez o contrato, que foi assinado em 10 de
setembro de 1966, nele constando o adiantamento de quinhentos dólares que lhe
haviam sido, antecipadamente, enviados.
Estava lançada a sorte da obra que o autor
considerava a sua obra prima o que ia sendo
corroborado pelo rumor continental
que estava começando a crescer ao redor dela a partir dos comentários que originava e das “prévias” que
iram aparecendo no México, Colômbia e Peru.
No
dia 30 de maio de 1967, Cien años de soledad
veio à luz e quinze dias depois iriam se esgotar os oito mil exemplares da
primeira edição. Foi preparada, logo, a segunda, de dez mil exemplares com a
qual a
editora ficou sem papel e sem os tipos tipográficos para continuar a satisfazer
uma demanda que crescia em proporção à voracidade de leitura de todo um Continente. Assim, durante dois meses,
aconteceu o paradoxo de que se falava em Cien
años de soledad pela América Latina mas as pessoas não podiam
comprá-la porque não havia nas livrarias”.
Quando,
em setembro, saía a terceira edição, o México encomendava vinte mil exemplares
à Sudamericana; a Colômbia, dez mil e os outros países pediam dez mil, cinco
mil, três mil. Oito anos depois, já eram dois milhões de exemplares vendidos.
Mas,
diz Basso Saldívar, esse produto de seu
talento singular, que o colocava no cimo do romance latino-americano,
talvez tivesse um destino diferente ou pelo menos mais lento sem os editores,
os jornalistas, os críticos de Buenos Aires. Porque somente a capital argentina,
na sua condição de metrópole cultural reunia condições para aceitar e tornar
popular, de imediato, um romance como Cien
años de soledad sem a consagração prévia de Nova Iorque, Paris ou Roma.
Eis
uma observação valiosíssima. Porque,
mostrando que Cien años de
soledad prescindiu de recomendações do Hemisfério Norte para iniciar o seu
caminho de glórias, a partir de uma cidade do Continente, faz pensar no quanto
pode estar iludida essa elite que, ainda, salvo as sempre honrosas exceções,
somente aceita como algo de qualidade o que chega referendado pelos grandes
centros irradiadores de cultura.


