Carlos
Liscano nasceu em Montevidéu em 1949 e, em 1987, publicou, em Estocolmo, El método y otros juguetes carcelarios.
No ano seguinte, numa edição de Salto Mortal, foi impresso, também em
Estocolmo, sua narrativa Memorias de la
guerra reciente.
Uma
primeira pessoa que relata os dezessete anos vividos como militar. Era um civil
recém casado e tinha uma casa. Ali, a patrulha o foi buscar para fazer parte de
um destacamento, no interior do país ,no intuito de preparar uma guerra prestes
a explodir. Partiu, sentado num jipe, entre dois soldados, cuidadosamente
vigiado por outros.
É um narrar feito com as minúcias de
tudo o que lhe aconteceu: a chegada no
quartel, a inspeção médica, a informação de uma guerra iminente, os
exercícios físicos para uma adequada atuação militar. Depois, a viagem até a
base e o dia a dia ao longo dos anos que passam: uma reiteração de rituais de
obediência que o irá moldar a ponto de impedir que ao ser desmobilizado seja
capaz de ser outra coisa senão o que nesses anos tem sido.
Talvez
seja possível não pensar em determinado país, em determinado momento de sua
história, em uma guerra determinada. Talvez seja possível ver além do retrato
de uma instituição e perceber o que há de surpreendentemente malsão em certas
práticas usuais que nem por isso deixam de ser ridículas ou ameaçadoras.
Em Memorias de la guerra reciente,
desenha-se o perfil de um homem que aceita a norma, que a engrandece e como
súdito vai se perdendo como indivíduo para existir sem vontade própria, sem
sentimento, absorvido por tarefas desprovidas de sentido, por verdades
contestáveis que a sua ingenuidade não permite discutir. E é a sua ingenuidade que o faz aceitar os
ritos e fazer suas as asserções que ordenam o mundo, dividindo-o entre os que
mandam e os que obedecem.
Memorias de la guerra reciente é um
livro de sua época e de seu Continente. No entanto, o leitor, ainda que desatento,
pode perceber o quanto ele está além das fronteiras e das datas. O quanto pode
ser um espelho dos dias que correm.



