Eles tem uma voz: Ganapán. E
quem a concede é Eduardo Galeano nos oito capítulos “Andanças de Ganapán” de La canción de nosotros, romance
publicado, em 1975, pela Sudamericana de Buenos Aires.
Seu nome é sugestivo,
Ganhapão e seus passos buscam um dinheiro para comer. Como para Rango,
personagem de Edgar Vásquez, qualquer idéia pode ser a salvação para acabar com
a fome. Junto com Buscavida, imagina soluções enquanto deambula pela cidade.
Entre os dois, pensam em vender sangue, trabalhar na estiva, juntar garrafas e
ferro velho, tentar a sorte na loteria, inventar uma rifa inexistente, vender
um cão vira-lata para um Instituto de ciências qualquer, programar um assalto.
Mas, já não são aceitos para
doar sangue, nem como estivadores; para jogar na loteria lhes falta o palpite
de um sonho e andar com o focinho metido
no lixo [...] não é digno nem dos porcos.
E, pruridos de consciência impedem Ganapán de vender bilhetes falsos, entregar
um cão para a morte ou praticar o roubo combinado.
Assim, tão deprimente quanto
as caminhadas sem glória e as buscas sem achados é o diálogo entre os dois no
qual se mostra explícita a marginalização que os condena a serem elementos
estranhos na sociedade porque nada possuem e nada lhes dá a possibilidade de possuir.
Entre as perguntas e
respostas trocadas se mostra um momento social de crise: vender jornais? (No
país são poucos os que lêem.) Lustrar sapatos? (Não rende.) Arrancar macegas no
jardim? (Quem paga?) Vender bilhetes de loteria? (Quem compra?) Rifar o
salário? (Qual salário?) E as oficinas? E as fábrica? E os escritórios?
(Quantos foram os passos recorridos para nada?)
No romance de Eduardo Galeano,
“Andanças de Ganapán” são páginas entremeadas a outras que falam de destinos
mais cruéis: o dos torturados, o dos presos políticos, o dos assassinados pela
repressão; páginas que lembram os atos da Inquisição na América; que refletem
sobre a cidade dominada pela ditadura.
No meio do horror, ainda que
miserável e sem saída, Ganapán sem
entender de política, guiado apenas pelo que há de mais elementar, o desejo
de resolver o problema da fome, completa o esboço de uma sociedade em desequilíbrio.
Os traços para compô-lo são
fortes – o romance de Eduardo Galeano é de 1975 – mas se suavizam para
construir esse personagem iluminado. Ganapán é bom, é amoroso, é honesto. Ele
não tem o que vestir, anda calçado a meias e mora num casebre forrado de papel
e quer, somente, trabalhar.
Em nome de tantos como ele
no Continente, Eduardo Galeano o fixou na ficção para que sua voz – quase
sempre em murmúrios ou se elevando pouco e em vão – chegue, pelo
menos, a algum ouvido predisposto a entender
razões.



