Sempre parecera
espontaneamente natural que na década de setenta aparecessem três romances
sobre os ditadores latino-americanos pois, mesmo quando intitulados
presidentes, eles pululavam na América Latina. Igualmente, parecia ser imprescindível
imortalizar-lhes as estranhas e perigosas figuras na ficção. Porque, não sendo
possível a sua eliminação real, vê-los registrados, sobretudo no seu infalível
ridículo, se constituía uma prazerosa catarse. Talvez, assim tenham sido escritos
e tenham sido lidos El recurso del
método, Yo, el supremo, El otoño del patriarca.
No entanto, a gênese desses
romances não ocorreu, embora tudo fizesse crer que assim fosse, simplesmente
como uma fortuita opção individual mas a partir de um momento bem definido na
vida de Carlos Fuentes e de Mario Vargas Llosa.
No artigo que escreveu sobre
Augusto Roa Bastos, “Augusto Roa Bastos: El poder de la imaginación” e que,
reunido com vários outros, faz parte do volume Geografía de la novela (México, Fondo de Cultura Económica, 1993),
Carlos Fuentes narra o episódio.
Em 1967, se encontrava em
Londres e comentava com Mario Vargas Llosa um livro de Edmund Wilson, Patriotic Gore, coleção de retratos da
Guerra da Secessão norte-americana que ambos haviam lido e admirado. Ocorreu-lhes
que um livro assim, com personagens latino-americanos não seria nada mau. Porém
à galeria de retratos imaginados, imediatamente, se superpôs uma interminável
lista de personagens históricos, tão loucos e poderosos que era difícil acreditar
que, verdadeiramente, tivessem existido. O que não impediu que a idéia
continuasse válida e, então, convidaram uma dúzia de escritores
latino-americanos para participar do projeto. Cada um deveria escrever um
romance, de no máximo cinqüenta páginas, sobre o seu tirano nacional favorito.
O volume coletivo teria por título “Los padre de la pátria” (Os pais da pátria)
e como padrinho, o editor francês, Claude Gallimard.
No entanto, foi-lhes
impossível coordenar o tempo e a vontade dos escritores e os planos
fracassaram. Três deles, porém, levaram adiante a idéia e fizeram suas próprias
obras: Gabriel García Márquez, Alejo Carpentier e Augusto Roa Bastos.
Gabriel García Márquez,
segundo Carlos Fuentes, se inspirou no venezuelano Gomez, no boliviano
Peñaranda, no dominicano Rafael Trujillo e, sobretudo, nos ibéricos Francisco
Franco e Antonio Oliveira Zalazar para criar o seu general todo-poderoso de El otoño del patriarca (1975).
Um personagem composto pelo
venezuelano Guzmán Blanco e pelo guatemalteco Manuel Estrada Cabrera será o
general Ataulfo Galván de El recurso del
método (1974) de Alejo Carpentier. E, Gaspar Rodriguez Francia que governou
o Paraguai como “ditador perpétuo” de 1816 a 1840, ano de sua morte, o modelo
de Augusto Roa Bastos para o seu Yo, el
supremo (1974).
Todavia, houve muitos que
ficaram sem retratar e Carlos Fuentes os menciona: aquele que protegeu seu país
da escarlatina, envolvendo as luminárias públicas com papel vermelho; aquele
que anunciou a sua própria morte para castigar os que se atrevessem a
celebrá-la; aquele que perdeu uma perna na guerra e a enterrou com grande pompa
na Catedral.
E, claro, uma infinidade de
outros, ainda bem próximos no tempo e no espaço, mascarados ou não com os
melhores epítetos democráticos e cujas ações não estão distantes daquelas que a
ficção dos romancistas registra como fruto da imaginação: alimentar as arcas do
governo com as jóias ofertadas pelas mulheres patriotas; salvaguardar bens, propriedades, concessões e monopólios das empresas
norteamericanas; construir pontes sobre rios que nunca existiram, importar
sementes que jamais atravessaram os mares.
Isto é, sobra matéria no Continente, e muita, para essa ficção que de repente, faz lembrar as palavras da canção: o que dá prá rir, dá prá chorar.


