Na sala fazia muito calor. Apertados nas portas e janelas, os que haviam chegado para escutar. Os cinco homens estavam sentados diante do juiz. Um deles falava explicando quem havia sido morto e quem eram eles.
José Dolores Cumplido, o morto. Havia saído para vender gado e fora trazido de volta, sem cabeça. Era rico e aos poucos lhes havia comprado os cinco hectares que possuíam. Como um filtro que gota a gota enche uma tina. Também era ele quem lhes emprestava dinheiro e quando se haviam dado conta, deviam tanto que, diziam, se pagassem com as próprias filhas, ainda assim lhes ficariam devendo.
E a voz continuava explicando que, realmente, tinham razões para matá-lo. Mas que tal não haviam feito porque não iam acabar com uma criatura de Deus, porque sim, pois isso é pecado.Assim como se iniciou numa ingênua negativa, assim termina o relato: Torno a repetir: nós não o matamos.
É essa expressão que dá título ao conto “Nosotros no lo matamos” que faz parte do livro Una década (Plaza & Janes, Colômbia, 1983), do colombiano David Sánchez Juliao.
Pioneiro na América Latina de textos especialmente escritos para serem gravados em discos e cassetes, neles, é evidente o testemunho que, no dizer de Jacques Gilard que é quem assina a Introdução do livro, surge, claramente, o desejo de captar vozes humanas reais a falar longa e ininterruptamente sobre as próprias vivências.
Em “Nosotros no lo matamos” é a expressão de um nós na situação de vítimas de uma acusação da qual, para se defender, só conta com a própria palavra. E essa palavra é expontânea e eloqüente, rica.Nascida do sofrimento de quem é deserdado, não da sorte, mas do sistema político social regente de um universo que legitima incongruências: Agora, quem nos comprou o primeiro hectare de terra? Ele. Quem nos comprou o segundo e o terceiro? Ele. E os outros? Ele. E as terras dos nossos ranchos? Ele, quem mais senão ele. Ele, só ele. E à luz das coisas como eram, são e foram organizadas, aquilo estava bem feito, segundo a gente se oriente pela lei que não é mais do que um papel. A quem a gente irá se queixar? A ninguém! Ali ficamos, pois, sem terras, trabalhando à vontade de Deus e da fome.
Em “Nosotros no lo matamos” é a expressão de um nós na situação de vítimas de uma acusação da qual, para se defender, só conta com a própria palavra. E essa palavra é expontânea e eloqüente, rica.Nascida do sofrimento de quem é deserdado, não da sorte, mas do sistema político social regente de um universo que legitima incongruências: Agora, quem nos comprou o primeiro hectare de terra? Ele. Quem nos comprou o segundo e o terceiro? Ele. E os outros? Ele. E as terras dos nossos ranchos? Ele, quem mais senão ele. Ele, só ele. E à luz das coisas como eram, são e foram organizadas, aquilo estava bem feito, segundo a gente se oriente pela lei que não é mais do que um papel. A quem a gente irá se queixar? A ninguém! Ali ficamos, pois, sem terras, trabalhando à vontade de Deus e da fome.
Palavras que já devem ter sido pronunciadas mil vezes no Continente. E que David Sánchez Juliao, ao se servir de seu gravador no intuito de elaborar relatos testemunhais – o escritor aparecendo como que escondido atrás de seu aparelho, propondo textos que antes de serem escritos com reconhecida exigência formal tinham sido falados por outros diz, ainda, Jacques Gilard – ao gravá-las e ao escrevê-las as reconhece como expressão primeira dessa necessidade de ouvir e de contar histórias. Histórias que no Continente nem sempre tem o desejado ou o esperado final feliz.



