domingo, 7 de julho de 1996

O primeiro poema.


naci a la vida, a la tierra, a la poesia y a la lluvia. 
 
          As primeiras palavras de Confieso que he vivido dizem da intermitência e do olvido dessas Memória que Pablo Neruda escreve na sua pulcritude de detalhes, como um memorialista, e nas lembranças diluídas de seu viver de poeta, na lírica evocação das sensações que o universo dos bosques chilenos lhe provocavam.

          Quem não conhece o bosque chileno, não conhece este planeta. Daquelas terras, daquele barro, daquele silêncio eu saí a caminhar, a cantar pelo mundo, assim termina esse texto que, verdadeira poesia em prosa, antecede o relato memorialista. Adjetivos, comparações e metáforas, antropomorfizações e cores, cheiros e sons refazendo o caminho a desvendar tesouros que, assim evocado, aparece com a beleza feérica, nascida das vivências infantis cujos relatos formarão o capítulo “Infância e poesia” de Confieso que he vivido.

          Nele, os primeiros anos vividos em Temuco, povoado do extremo sul do Chile. O pai, ferroviário, por vezes o levava com ele para Boroa onde o trem ia buscar as pedras para colocar entre os dormentes. A natureza ali me dava uma espécie de embriaguez, atraído que eu era pelos pássaros, os besouros, os ovos de perdiz. E os achados se transformam em deslumbramentos: o besouro de muitas cores, relâmpago vestido de arco-íris; o ninho silvestre, tecido em musgo e pequenas plumas; as bolotas do carvalho, maravilhosa bolota verde e polida com sua casca enrugada e gris.

          E as cores lhe explodiam nos olhos e os ouvidos se lhe enchiam de sons: o apito do trem, o lamento romântico do acordeão, o estrondo de coração colossal das ondas do mar, os nomes das estações de trem na região dos antigos araucanos: nomes com aroma de plantas selvagens cujo significado era algo de delicioso: mel escondido, lagoas ou rio perto de um bosque ou cerro com nome de pássaro.

          E em meio à infância solitária, Pablo Neruda explora a natureza forte e misteriosa do sul do Chile, das árvores cheias de frutos, dos insetos que vai encontrando e, apenas alfabetizado, escreve os primeiros versos. Lembra dessa emoção, desse traçar de palavras semirrimadas, estranhas, diferentes da linguagem cotidiana que pôs no papel, preso de uma ansiedade profunda, de um sentimento até então desconhecido, espécie de angústia e tristeza. Ainda cheio de emoção, leva os versos para mostrar aos pais. Eles cochichavam, submergidos numa dessas conversas em voz baixa que dividem mais do que um rio o mundo das crianças daquele dos adultos.

          Pablo Neruda lhes estendeu o que havia escrito e o pai, distraído, passa os olhos e o devolve, perguntando de onde havia copiado aquilo. E continuou falando de seu importante assunto com a mulher.

          E diz o poeta: Parece que eu lembro que assim nasceu meu primeiro poema e que assim recebi a primeira mostra distraída da crítica literária.

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