domingo, 21 de julho de 1996

O desencontro

           Luiz Carlos Prestes passara mais de dez anos na prisão e, em 1945, fora posto em liberdade. No Pacaembu estava preparado um grande comício e Pablo Neruda viera do Chile para participar doencontro do líder comunista com seu povo. Mais de cento e trinta mil pessoas estavam presentes no Estádio e para elas o poeta leu o poema que depois fez parte do IV Canto, “Los libertadores” do Canto general.

Poucas horas antes o escrevera para ser lido e o primeiro verso de “Dicho en Pacaembu” é na verdade uma frase prosaica e coloquial: Quantas coisas quisera dizer, hoje, brasileiros e enumera isto que desejaria contar – histórias, lutas, desenganos, vitórias, pensamentos, saudações do outro lado da América – para falar desse presente em que Luiz Carlos Prestes, é rodeado dum mar de corações vitoriosos. Para lembrar essa noite de Paris em que pedia pelos republicanos  da Espanha quando pronunciou-lhe o nome, seu nome foi saudado pela multidão, velhos operários com os olhos unidos, olhavam para o fundo do Brasil e para a Espanha.

Nesse ano de 1945, viera para vê-lo, para contar  depois como era Luiz Carlos Prestes e o que dizia.

Anos mais tarde, em Confieso que he vivido o irá descrever como pode vê-lo diante da multidão, apenas posto em liberdade: diminuto de estatura, me pareceu um lázaro recém saído do túmulo, pulcro e luzente para a ocasião. Era magro e branco até a transparência com essa brancura estranha dos prisioneiros. Seu intenso olhar, suas grandes olheiras roxas, suas delicadíssimas feições, sua grave dignidade, tudo lembrava o longo sacrifício de sua vida.

No encontro que então tiveram, narrado no capítulo “Prestes” de Confieso que he vivido menciona novamente a aparência frágil que lhe dava sua pequena estatura, sua magreza, sua brancura de papel transparente em acorde com suas palavras e com seu pensamento de uma precisão de miniatura. Fala, também, do trato cordial que recebeu e do convite para almoçar na semana que se seguiria.

Na terça feira, Pablo Neruda foi à praia com uma bela amiga brasileira para, na quarta, se inteirar que o legendário capitão o havia esperado, inutilmente, no dia anterior com a mesa posta enquanto ele passava o dia em Ipanema.

Pablo Neruda já havia feito um poema para Leocádia Prestes, recitado à beira de seu túmulo, no México, onde ela fora em demanda de liberdade para o filho. O Presidente do México havia solicitado a Getúlio Vargas a permissão para que Luiz Carlos Prestes pudesse assistir ao enterro da mãe. Diante da resposta negativa, indignado, Pablo Neruda faz essa homenagem póstuma que passa a ler nos recitais pelo mundo a fora.

Em 1949, torna a escrever outro poema para Luiz Carlos Prestes. Também faz parte do Canto general, o número XL e tem por título “Prestes do Brasil”. É o Prestes da Coluna que percorreu o Brasil que está presente nesses versos, a sua tragédia pessoal, seu martírio de prisioneiro e, ainda, esse apoteótico momento em que frágil e firme sua estrutura, pálido como o marfim fala pela fala pela primeira vez para o seu povo no Pacaembu.
O Luiz Carlos Prestes do cotidiano, porém, Pablo Neruda não conheceu naquele dia em que era esperado. Pelo que diz ser sua absoluta incapacidade de aprender o dias da semana em português ele não compareceu ao encontro marcado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário