Não me
constranjo de sentir-me alegre,
De amar a vida
assim, por mais que ela nos minta...
Do soneto XXI
Mário Quintana nasceu no dia 30 de julho de 1906, em
Alegrete, uma cidade em plena campanha rio-grandense.
Foi lá, diz Cyro Martins, “vendo de perto gaúchos autênticos, a cavalo,
cruzando para todos os lados as ruas da cidade e naturalmente ouvindo suas
falas e escutando seus causos, e sabendo, direta ou indiretamente de suas encrencas
e de suas tricas que ele passou a infância. E na sua “Nota sobre Mário
Quintana” (Escritores gaúchos, Porto
Alegre, 1981) observa, ainda, que em toda a sua obra não aparece o mais tênue sinal de sintonia com essa
paisagem e com o homem que a habita. E que, em relação a sua criatividade, é
como se dessa terra do imediato ele houvesse se desprendido, todo ele voltado
para a introspeção.
Na verdade, o primeiro livro
de poemas de Mário Quintana, A rua dos
cataventos, editado em 1940 mas já concluído em dezembro de 1938, é o livro
de um poeta habitado por difusos sonhos e desvarios como se vivesse uma vida
feita de breves momentos, de passageiros sons e de efêmeras imagens irreais.
Vago, solúvel no ar, fico sonhando é um verso do primeiro soneto do livro. Um soneto
construído a partir da luz que o sol derrama sobre as coisas, dos tons que se
misturam, da consciência que tem o poeta de igualmente fazer parte desse mundo
que vai sendo banhado pelos jogos de luz. E do qual ele fixa alguns de seus
instantes fugazes: o deambular pelas ruas, o ficar imóvel com o livro pousado
nos joelhos, o se contentar em ver no ar a se espraiar as lentas espirais de
fumaça, o surpreender o menino olhando para a lua, em pleno meio dia.
Um mundo em que se inscrevem
os sons. De grilos, de clarins, de goteiras e pregões. Sons de passos nas
calçadas e de velhas rondas. Presença da realidade se opondo à fantasia que o
leva a reger contra-danças num lugar que não existe, a entrever sapatos floridos
e peixes voando em reflexos dourados, a se ver peregrino, iluminado,
ou vivendo na Torre do Anto.
E homem do interior do
Continente, nascido numa cidade rodeada de planícies verdes, Mário Quintana vislumbra
barcos.
Nos trinta e cinco sonetos
de A rua dos cataventos a eles se
encontram cinco referências. Numa comparação, originada, sem dúvida, desse
sonhador contemplar de nuvens em que uma, parada, mais parece um lindo barco a vela! No imaginar do desejo alheio
quando coloca um par de sapatos no rebordo da janela e pensa que eles sonham, imóveis, deslumbrados, / que
são dois velhos barcos, encalhados / sobre a margem tranqüila de um açude.
E fragata, bergantim e navios são as palavras que usa nos outros poemas. Como um sonho, no meio do silêncio, vaga aparição lunar, surge misteriosa a fragata que não demanda os portos.
Velas paradas, o bergantim, sonora palavra que remete à antiga embarcação usada pelos portugueses no Oriente, interrompe o prosaico e o ingênuo com que se inicia o primeiro verso do soneto: Estou sentado sobre minha mala. Seguida do adjetivo desmantelado, prepara a exclamação sobre o tempo malbaratado e essa falta de esperança que faz jogar a bússola quebrada na profundeza da água e de alma cansada e sem direção nada desejar.
No soneto XXII são navios que se afundam (única certeza em meio às duvidas e à incapacidade de decifrar mistérios), a barca ignorando o porto num desassossego que o mover-se sem rumo só ajuda a constatar: Nada mais existe.
São embarcações sem rumo e sem chegada de um poeta que se diz romântico e cujas incertezas encerra em melancólicos sonetos tristes que o levam a uma evasão talvez fugaz, talvez constante.
Escondida cá e lá a sutil alegria de viver expressa no olhar que sabe se pousar no crepúsculo, na luz mansa do dia, na verde ramaria, no céu azul. E nesse desejo que lhe sobrevêm no tempo chuvoso: o de querer iluminar a pobre tarde cinzenta pintando trezentos arco-íris no seu céu tristonho.
E fragata, bergantim e navios são as palavras que usa nos outros poemas. Como um sonho, no meio do silêncio, vaga aparição lunar, surge misteriosa a fragata que não demanda os portos.
Velas paradas, o bergantim, sonora palavra que remete à antiga embarcação usada pelos portugueses no Oriente, interrompe o prosaico e o ingênuo com que se inicia o primeiro verso do soneto: Estou sentado sobre minha mala. Seguida do adjetivo desmantelado, prepara a exclamação sobre o tempo malbaratado e essa falta de esperança que faz jogar a bússola quebrada na profundeza da água e de alma cansada e sem direção nada desejar.
No soneto XXII são navios que se afundam (única certeza em meio às duvidas e à incapacidade de decifrar mistérios), a barca ignorando o porto num desassossego que o mover-se sem rumo só ajuda a constatar: Nada mais existe.
São embarcações sem rumo e sem chegada de um poeta que se diz romântico e cujas incertezas encerra em melancólicos sonetos tristes que o levam a uma evasão talvez fugaz, talvez constante.
Escondida cá e lá a sutil alegria de viver expressa no olhar que sabe se pousar no crepúsculo, na luz mansa do dia, na verde ramaria, no céu azul. E nesse desejo que lhe sobrevêm no tempo chuvoso: o de querer iluminar a pobre tarde cinzenta pintando trezentos arco-íris no seu céu tristonho.



