Em 1944 era publicado, pela
José Olympio, Desolação, o terceiro
romance de Dyonélio Machado,uma obra de
extremo vigor e densidade como a
define Sergio Milliet, em 16 de setembro do ano seguinte, no artigo que então
lhe dedica.
Faltava pouco mais de um mês
para que se expirasse, no dia 29 de outubro, a ditadura de Getúlio Vargas e o
crítico, na sua aproximação ao romance, optou por se deter no que chama de controle avassalador a serviço de uma coletividade
dia a dia mais hostil à liberdade do indivíduo da qual é vítima Maneco
Manivela. Operário, na verdade só quer viver
sossegado mas o ter participado de
uma reunião, o ter recebido algum volante e o ter encontrado acidentalmente o
Dr. Matos, militante de um movimento político ilegal que lhe manda de presente
a “Cartilha” faz com que seja vigiado pela polícia.
As qualidades de Dyonélio
Machado como ficcionista lhe permitem, como diz Sergio Milliet, apenas deixar
entrever as causas mais objetivas que
impelem seu herói ao desequilíbrio.
Optando pelo aprofundamento psicológico, ele deu ao drama uma força e uma tragicidade incomuns o que talvez não lhe
fora possível se houvesse entrado mais pretensiosamente no estudo de fatos
políticos e sociais.

Igualmente feito de
sugestões e igualmente forte e trágico, O
louco do Cati já havia surpreendido os críticos dois anos antes.Livro
estranho, Antes o poema da evasão
imperativa, antes um poema angustiado que um romance, mesmo surrealista, dissera Sergio Milliet acrescentando, prudente,
tratar-se de um romance que ficou mais ou
menos incompreendido.
Mas, se de incompreensão se
trata, as palavras de Moisés Velhinho demonstram como essa incompreensão pode
ser de lamentar. No artigo “Do conto ao romance” que faz parte do livro Letras da Província (Porto Alegre,
1960) em que analisa os primeiros livros de Dyonélio Machado até então
publicados – Um pobre homem (1927), Os ratos (1935) e O louco do Cati (1942) – não concede a este último, uma qualidade sequer.
E os presumíveis defeitos – exagerado emprego de parênteses, linguagem deliberadamente
descuidada, personagens passivos e fantasmagóricos, desejo de mostrar o efêmero
de tudo o que não foi concretizado no romance – o levam a concluir que a obra não tem forma, não tem conteúdo, não tem
qualquer propósito acessível a percepção comum.
No entanto, a edição se
esgotou e, sobretudo, as palavras de Mário de Andrade e as de Guimarães Rosa
foram, então, profundamente elogiosas.
Também elogiosas foram as de
Ferreira Gullar, em 1979, quando a Vertente publicou uma nova edição da obra.
Dyonélio Machado tinha 83 anos e viu transformada em virtude o que alguns anos
antes fora considerado uma imperfeição: maestria
da linguagem raramente encontrada na ficção brasileira, paranóia do personagem evidencia a
continuidade da repressão na história brasileira, maneira nova de contar uma história, modo sutil de conduzir a
narrativa, a tal ponto que se tem a impressão de que ninguém a conduz.
Hoje, quando a ditadura
getulista e ditadura instaurada em 1964 já fazem parte do passado e questões
estranhas ao fazer literário talvez já não sejam tão importantes para a
avaliação de uma obra; quando novas disciplinas são instrumentos que se
acrescentam a essa constante busca de respostas para o mistério do texto, sem
dúvida, a riqueza e a profundidade da ficção de Dyonélio Machado serão
entendidas no seu significado verdadeiro.
E O louco do Cati, seu magnífico e instigante romance, alvo de tão
antagônicas apreciações estará, certamente e em definitivo no lugar que lhe
compete como um d’entre os melhores da Literatura Brasileira.


