Como viera parar ali o Borboleta
e com aqueles donos, é o que não se sabia. O Borboleta era um pequeno caminhão
Ford, muito antigo e muito conhecido de certas rodas - moços de garage,
inspetores de tráfego, empregados das bombas de gasolina. Pertencera durante
muito tempo a um sujeito folgazão espécie de vendedor ambulante, que mandara
colocar na trama em favos do radiador, uma borboleta de louça, com asas azuis
muito abertas. Na ocasião, ele parecia estar desarranjado, à sombra escassa
(era pouco mais de meio dia) duma grande árvore, encordoada de grossas raízes,
que ficava na frente e um pouco sobre um canto do armazém.
Assim começa a história do
Borboleta nas primeiras páginas do O
louco do Cati.Era uma Sexta-feira, dia
treze e logo se iniciou a viagem da qual ele não voltaria. Mas, o que sofreu
com a falta de óleo e de água e de gasolina nos dias em que rodou por estradas
áridas e como sua embreagem falhou, foi contado em Desolação.
Ele não aguentaria a viagem
sem óleo, alguém pergunta. E há um respondendo que sim, que aguentaria e outro
carregando de longe uma lata de combustível ou roubando de outro carro para por
no seu tanque. Sempre um de seus ocupantes disposto a cuidá-lo, a consertá-lo.
Embora alto, o Borboleta não
era carro para enfrentar as pedras e as areias dessas estradas ruins que
percorria. Levado, porém, a tal aventura, vai rodando até que um cheiro de
borracha queimada anuncia o desastre que o impossibilita de seguir. E é de
reboque que ele chega até Viamão onde o deixam sob a ramada do pátio de uma
casa enquanto soluções eram ensaiadas para conseguir fazê-lo andar. Ali ele
ficou, mais ou menos protegido do sol e da chuva.
Veio, então, Maneco Manivela
que o tirara da oficina, onde fora encostado pelo dono, para ir de passeio –
coisa de passar na praia um dia ou dois – e num ato inexplicável e
inconseqüente lhe prende fogo.
Era Sexta-feira e uma semana
havia transcorrido desde que fora posto na estrada para passear e, sem razão
aparente, acabar em cinza.
No entanto, a frase o Borboleta se acha envolto em chamas que dá conta de sua destruição
no último parágrafo do romance Desolação
não o faz desaparecer da ficção de Dyonélio Machado. Ainda em Passos perdidos e em Nuanças o Borboleta estará presente.
Uma presença cujo intuito
dir-se-ia ser o de conduzir a uma das facetas da alma humana.Bastaram os dois
anos de cadeia e esse breve tempo de reintegração na sociedade para que Maneco
Manivela já estivesse convencido que incendiar o carro que não lhe pertencia
não era, certamente, algo de tão grave.
Afinal, o Borboleta era
apenas um calhambeque.
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