domingo, 6 de agosto de 1995

O Borboleta e seu destino


Como viera parar ali o Borboleta e com aqueles donos, é o que não se sabia. O Borboleta era um pequeno caminhão Ford, muito antigo e muito conhecido de certas rodas - moços de garage, inspetores de tráfego, empregados das bombas de gasolina. Pertencera durante muito tempo a um sujeito folgazão espécie de vendedor ambulante, que mandara colocar na trama em favos do radiador, uma borboleta de louça, com asas azuis muito abertas. Na ocasião, ele parecia estar desarranjado, à sombra escassa (era pouco mais de meio dia) duma grande árvore, encordoada de grossas raízes, que ficava na frente e um pouco sobre um canto do armazém. 
 
          Assim começa a história do Borboleta nas primeiras páginas do O louco do Cati.Era uma Sexta-feira, dia treze e logo se iniciou a viagem da qual ele não voltaria. Mas, o que sofreu com a falta de óleo e de água e de gasolina nos dias em que rodou por estradas áridas e como sua embreagem falhou, foi contado em Desolação.

          Ele não aguentaria a viagem sem óleo, alguém pergunta. E há um respondendo que sim, que aguentaria e outro carregando de longe uma lata de combustível ou roubando de outro carro para por no seu tanque. Sempre um de seus ocupantes disposto a cuidá-lo, a consertá-lo.

          Embora alto, o Borboleta não era carro para enfrentar as pedras e as areias dessas estradas ruins que percorria. Levado, porém, a tal aventura, vai rodando até que um cheiro de borracha queimada anuncia o desastre que o impossibilita de seguir. E é de reboque que ele chega até Viamão onde o deixam sob a ramada do pátio de uma casa enquanto soluções eram ensaiadas para conseguir fazê-lo andar. Ali ele ficou, mais ou menos protegido do sol e da chuva.
          Veio, então, Maneco Manivela que o tirara da oficina, onde fora encostado pelo dono, para ir de passeio – coisa de passar na praia um dia ou dois – e num ato inexplicável e inconseqüente lhe prende fogo.
          Era Sexta-feira e uma semana havia transcorrido desde que fora posto na estrada para passear e, sem razão aparente, acabar em cinza.
          No entanto, a frase o Borboleta se acha envolto em chamas que dá conta de sua destruição no último parágrafo do romance Desolação não o faz desaparecer da ficção de Dyonélio Machado. Ainda em Passos perdidos e em Nuanças o Borboleta estará presente.
          Uma presença cujo intuito dir-se-ia ser o de conduzir a uma das facetas da alma humana.Bastaram os dois anos de cadeia e esse breve tempo de reintegração na sociedade para que Maneco Manivela já estivesse convencido que incendiar o carro que não lhe pertencia não era, certamente, algo de tão grave. 
          Afinal, o Borboleta era apenas um calhambeque.

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