O Borboleta
era um pequeno caminhão Ford. Modelo muito antigo. Via-se sempre no meio da
cidade – na sua marcha saltitante, devido a sua leveza e ao fato de ser muito alto,
ridiculamente alto. E era muito familiar aos moços de garage, inspetores de
tráfego, empregados das bombas de gasolina. Devia esse nome a uma borboleta de
louça azul que o primitivo dono mandara pregar nos favos
do radiador como uma insígnia. Passos perdidos.
O Borboleta pertencia a
Antonio Vitorino, um ricaço (meio ricaço), que o deixara
encostado na oficina – talvez para desmontá-lo e vender suas peças – em que
trabalhava Maneco Manivela. Para um breve passeio de Porto Alegre até a praia
ele o tomou emprestado e partiu com
mais quatro conhecidos para o litoral. Na volta, dois deles tomaram outro rumo e Maneco
Manivela, Leo e Luiz passam, então, a formar um grupo unido em torno do
caminhãozinho. Cuidam que tenha água, óleo e gasolina.
Procuram lugar em que
fique ao abrigo das intempéries e, dentro de suas possibilidades, tentam que
nada lhe aconteça e ensaiam muitos cuidados: limpeza das velas, reajustagem,
inspeção dos discos. Tampouco fogem das horas de trabalho, desaparafusando, limpando, engraxando, torcendo o Borboleta. E até
se afeiçoando a ele nessa convivência em que acabam por lhe atribuir papéis que
vão desde servir como garantia de um almoço no hotel, até ser usado, num dos
rasgões da lataria, como abridor de garrafa. E também, um lugar de econtro, de aconchego. Perto do Borboleta, eles conversam; perto do Borboleta, eles comem. E o pequeno camihnhão passa a ter um preço diferente daquele que talvez seja o preço real, uns duzentos, uns trezentos mil réis.
E diz um deles: -Se fosse meu eu não trocaria esse auto por dinheiro nenhum. Mas,
acabam vendendo o Borboleta, que não lhes pertencia, para com o dinheiro
resolver os problemas imediatos embora sem levar muito a sério a transação que,
segundo Maneco Manivela, apenas representa uma solução provisória. O comprador
fora tomado de um súbito e espontâneo interesse pelo caminhãozinho que também
caíra nas boas graças de sua mulher. -É
que o Borboleta impõe uma simpatia mesmo,
ele então explica.
Fixando-se nele, ao ser
solicitado para ceder um pouco de gasolina, o chofer de um outro carro
primeiramente se admira: -Donde é que
tiraram isso? E, antes de obter
uma resposta, vai passando a mão no carro e na borboleta azul do radiador: E ele tem um enfeite!... diz, achando
graça.
Para Maneco Manivela, o
Borboleta é algo semelhante a um lar nessa viagem. A sua sombra ele se abriga,
embaixo dele se acomoda para dormir, dentro dele guarda suas coisas: seu
macacão de trabalho, a tábua de forrar o chão para mexer nos chassis, o couro
de ovelha que surrupiara, o livro que lhe deram de presente. Trabalha muito
para consertá-lo, cansando-se de tanto baixar,
erguer o capô, se curvar, mexer em fios, em parafusos.
Depois, lhe perguntaram – o
dono, o amigo, o juiz, - por que havia feito isso. Porém, ele não teve respostas
para dar. Mas, respostas houve.
Habilmente, em breves seqüências, alheias a um tempo cronológico, disseminadas
nos romances posteriores, Passos
perdidos e Nuanças, momentos
dessa perfeita teia romanesca que somente um grande ficcionista – e Dyonélio
Machado é um deles – é capaz de tecer.

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