Cabelos lisos, tez mate, pernas longas e seios miúdos, talhe fino, Ofélia havia deixado para trás as formas fortes e rústicas de sua mãe, índia do Continente.Envolta em musselinas claras, perfumada e radiosa, vivia em Paris, falando com voz macia e tocando, tocando outra vez “Para Elisa” que jamais conseguia isentar de notas desafinadas.O primeiro magistrado de uma republiqueta qualquer ao sul do Rio Bravo, era seu pai. Com a riqueza dos cofres públicos que, tradicionalmente e como algo natural, nesses casos, passa a ser de usufruto do mandatário do país, estava instalada perto do Arco do Triunfo.Ofélia não se ofendia de, no dizer de um francês, lembrar a beleza das mulheres de Gauguin e seu linguajar era fino e sutilmente matizado, desde que sua vontade não fosse contrariada. Porque, então, sua cólera se expressava em gestos obscenos e num vocabulário considerado pelo seu pai como aquele usado pela escória dos quilombos.
É uma presença breve e rara
no romance El recurso del método de
Alejo Carpentier, publicado em 1974. A primeira vez que aparece, é anunciada
pelo som de sua interpretação ao piano. “Para
Elisa” cada dia lhe sai melhor diz
o secretário do tirano. Pouco depois, ouve-a, também, um visitante que julga
oportuno esclarecer que a peça que está sendo tocada é de Beethoven. Somente depois de um longo repassar
da partitura é que Ofélia chega onde está o pai para anunciar que viajará à
noite para Bayreuth onde irá se realizar a temporada de Wagner.
E nas suas andanças
européias ela fica, enquanto o pai deve voltar ao país para sufocar um contra golpe
e outro mais.
As mortes dos
revolucionários e a eterna miséria são para ela, algo de muito distante e
alheio. Tem a bondade que desabrocha para a “Obra missionária na China”, para a
“Liga de proteção à arte gótica”, para a “Fundação da gota do leite”, ignorando
as mulheres descalças que não tem um lugar onde dar à luz, ao oferecer a essas
instituições os milhares de dólares subtraídos de um tesouro nacional que, na
verdade, parece pertencer somente a seu pai. Ou, aquela que o pai lhe incumbe e
a faz ir de povoado em povoado com o uniforme da Cruz Vermelha, expondo fotos
da destruição deixada pela Primeira Guerra Mundial em terras francesas e
coletar fundos para a reconstrução das regiões devastadas, sem pensar nos seus
compatriotas que, sem ter para si, ajudavam uma França longínqua e
desconhecida.
Depois desse feito que apaga
os crimes de seu pai, Ofélia desaparece de uma cena em que ele não admite perder
o papel principal, feito de todos os contornos de um típico ditador do
Continente: o que censura, persegue, aprisiona, tortura e mata.
E que, ao ser por fim
vencido e se retirar para Paris, conhece outra derrota. A que lhe impinge
Ofélia que, embora dizendo agora, sim,
vamos voltar a ser felizes: não vais ter que voltar a esse país de selvagens
lhe rouba o espaço e o poder de decisão.
“Ex” Primeiro Magistrado,
como ele mesmo se intitula, passa a viver na mansarda de sua casa já não mais
decorada com os objetos de arte que escolhera mas com aqueles que o gosto da
filha determinava.
E na Paris em que buscara refúgio, como nas páginas cor de rosa do Petit Larousse buscara a frase para pronunciar ao morrer, ele morre deitado na rede que levara do Continente e que mandara pendurar nas paredes da casa francesa.
Quando fecha os olhos, Ofélia – dando ordem para que sua morte seja anunciada apenas no dia seguinte – corre com os amigos parisienses para a festa programada.
Suas raízes há muito se haviam dissolvido no contato com a cultura européia que ela acreditava pudesse ser sua pelo simples ato de renegar o país em que nascera.
Havia se esquecido que um dia dissera ao Primeiro Magistrado, seu pai: A casaca que o macaco veste não lhe oculta o rabo.
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