domingo, 18 de abril de 1993

O sentido da luz


          Em novembro de 1990, aparece em Buenos Aires, El juguete rabioso. Uma revista que, entre outros sentidos produz o de ser um texto sobre a leitura, diz Maite Celada, professora da USP, quando interpelada sobre a publicação.


          Nesse primeiro número, El juguete rabioso relê a obra que homenageia no seu título e a reinscreve, como as demais de Roberto Arlt, na História Literária Argentina num plano que, até então, não havia sido muito bem delineado.

          “Escritor de ruptura”, os contemporâneos não lhe entenderam a temática centrada em personagens “humilhados e ofendidos”, nem essa linguagem que rigorosamente se afastava daquela a serviço dos mais admirados textos da ficção argentina dos anos vinte. E os primeiros críticos dele se aproximaram presos aos parâmetros vigentes, que, por atrelados a sacrossantos modelos europeus, não admitiam marginalizações.

          Os quatro articulistas de El juguete rabioso retomam, então, afirmações e análises para refazê-las e, assim, redimensionar o lugar que Roberto Arlt deve ocupar na Literatura Argentina.

          A partir de uma argumentação que se apóia na gênese da obra, no trabalho de elaboração dos textos, na formação do escritor e na relação que mantém com seu meio e com sua época, nas influências recebidas e no estudo do próprio texto ficcional, passam a ser irrelevantes as preocupações demonstradas por alguns críticos com um vocabulário considerado pobre e vulgar ou com temas tidos como degradantes.

          E, sobressaem qualidades que não haviam sido aquilatadas nessa ambigüidade que caracteriza o texto de Roberto Arlt.

          No romance El juguete rabioso, onde se acumulam misérias, atos mesquinhos e marginais, seres humanos em descaminhos e infelizes, como uma crença, uma esperança, uma imutável realidade, se infiltra a luz, está presente o sol.
 
          Assim, no fundo da loja de livros usados dominada pelo cheiro de mofo, a mancha de sol bate nas lombadas de couro; assim, no quarto em que desperta de uma tentativa de suicídio, o personagem vê um raio de sol que faz desenhos na parede branca; e assim, as carnes penduradas no açougue são iluminadas pelo sol da manhã.

          Uma luminosidade que chama o jovem personagem para a vida. Na estrutura do romance, uma presença para contrabalançar o mal que parece dominar e que deve ser vencido.

          Talvez uma esperança vã no espaço do Continente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário