Tinha Roberto Arlt vinte e
seis anos quando o seu primeiro romance El
juguete rabioso foi publicado.
Narrado numa primeira pessoa
que rotula os seus escritos de memorias, nele são fixados, no entanto, apenas
quatro episódios: a rápida aventura de uma gangue juvenil que no primeiro susto
com a polícia, correndo em perseguição de um de seus membros, se dissolve; a
experiência de um emprego, também de curta duração, numa sórdida loja de livros
usados; o fracasso como candidato a aprendiz de mecânico na Escola Militar de
Aviação; uma ação traidora aparentemente sem causa.
Cada um dos quatro episódios
constitui um capítulo do romance e a técnica narrativa com que é construído dá,
a cada uma dessas partes, um sentido que não necessita das demais para se
completar sem que isso impeça que formem um todo.
Nos quatro capítulos, “Los
ladrones”, “Los trabajos y los dias”, “El juguete rabioso” e “Judas Iscariote”
domina Silvio Astier, o narrador. Revela, na sua narrativa, suas angústias de
adolescente, por vezes a sua esperança nesse caminho de pobreza que precisa
percorrer em busca de um lugar ao sol.
Incipiente ladrão, explorado
trabalhador, fracassado aspirante a mecânico, vendedor medíocre ele quebra essa
prisão de um destino vulgar, por um maldoso ato de traição.
Não será traindo, porém, que
Silvio Astier irá, obter o que teria desejado - dinheiro, glória, amor - e a
infelicidade daquele que traiu somente vai servir para obter uma promessa da
pessoa beneficiada pela sua traição: eu o
ajudarei e lhe conseguirei um emprego em Comodoro. O que poderia ser um
final feliz para as suas atribuladas andanças: ir para o Sul, para onde haja gelos e nuvens ... e grandes
montanhas. Mas, nos episódios anteriores, as promessas que recebera
resultaram sempre vãs, cortando-lhe, sempre, a alegria sentida ao vislumbrar
uma luz que mudasse a sombria vida de órfão obrigado a ajudar a mãe viúva e
pobre. E, agora, esses trinta dinheiros podem significar apenas mais uma
esperança perdida.
Por vezes patético ou
cínico, infantilmente ingênuo por vezes, é um personagem de intensa riqueza que
se move num mundo lúgubre onde existem personagens grotescos mas profundamente
humanos.
Em breves momentos, ele
vislumbra algo do que é possuido por aqueles que pertencem à outra classe:
jardim florido, lustre de cristal, móveis, quadros. Acenos de uma outra vida
que, entretanto, só existe para alguns e que jamais será atingida por essa maioria
que vive a realidade vulgar de um imutável cotidiano. Neles é que se fixa
Roberto Arlt.
E, toda uma visão crítica da
sociedade de Buenos Aires é feita em surpreendentes textos que rompem com a
narrativa da época.
Em 1926, ano de publicação
de El juguete rabioso, também foram
publicados Cuentos para una inglesa
desesperada de Eduardo Mallea e Don
Segundo Sombra de Ricardo Güiraldes que indagavam sobre essa mesma
Argentina que está presente na obra de Roberto Arlt.
Mas, se Eduardo Mallea e
Ricardo Güiraldes buscavam explicações ou evocavam, o autor de El juguete rabioso constatava um mundo
descoberto nos vários humildes ofícios que desempenhou. O que significa que
esse seu mundo se inscreve em qualquer espaço do Continente.
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