domingo, 14 de março de 1993

Limites

          Exceção feita de um livro de ensaio Historia personal del boom, a obra de José Donoso, chileno nascido em 1924, é essencialmente a de um narrador: contos, narrativas breves, romances.
Iniciou sua carreira em 1955 com Veraneo y otros cuentos mas foram seus últimos romances, El obsceno pájaro de la noche (1970) e Casa de campo (1978) que efetivamente o tornaram conhecido. São romances longos e, tecnicamente muito elaborados, surpreenderam a crítica e resultaram instigantes para os estudiosos da Literatura.
          No entanto, é com um breve e conciso romance El lugar sin límites publicado em 1967 que José Donoso torna inquestionável o seu talento narrativo.
          Como epígrafe, um texto do Dr. Fausto de Christopher Marlowe que lhe inspira o título do romance e o seu tema. : O inferno não tem limites, nem fica circunscrito a um só lugar, porque o inferno é aqui onde estamos e aqui onde é o inferno temos que permanecer
          No romance de José Donoso, esse limite está circunscrito aos arredores de Talca.
          Próximo a seus vinhedos, Don Alejandro Cruz lança a semente de um povoado. Casas se levantam com a esperança de um futuro próspero trazido pela estrada de ferro e pela eletricidade. Os anos passam e a estrada de ferro é preterida pela estrada de rodagem. A rede elétrica não chega nunca. O povoado vai se perdendo na poeira e os que nele permanecem é para um viver sem futuro.
          Don Alejandro Cruz, compreensivamente se oferece para comprar as casas encobrindo o intento de aumentar seus já imensos vinhedos.
          E é nesse espaço do Continente, em terras ao sul de Santiago  abandonadas por seus habitantes  para tentar a vida mais adiante, onde as paredes e os muros são devorados por ervas daninhas, onde as casas estão vazias e as ruas, povoadas, sobretudo de buracos e pedras; onde há vinhedos de um só dono que se perdem de vista pelos quatro horizontes é que se move Manuela, centro da narrativa.Um personagem homossexual literariamente construído com maestria cuja riqueza consiste na inusitada ambigüidade que se expressa no dizer e no narrar,  revelando um ser marcado por circunstâncias incomuns sem incorrer no grotesco ou na pieguice.
          Sobre ele, principalmente, recai a violência  instaurada na sordidez do bordel. Nele, como em tantos, que só queria cantar, rir e ser feliz.
          Uma cara enrugada como passa de uva, fossas nasais negras e peludas como de égua velha, dentes postiços, ossos doloridos. Destruído pela vida, Manuela é como esse povoado em que vive. Condenados, ambos a uma asfixia  determinada pelos poderosos.
          E, assim, para Manuela o inferno são os outros. Para Manuela que habita o Continente, o inferno  também pode estar nesse lugar em que lhe foi dado viver: uma casa semi-derruída onde entra a chuva e o vento. Um povoado que morre de miséria.
          Além de seus limites estão as vinhas e a riqueza.

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