Exceção feita de um livro de
ensaio Historia personal del boom, a
obra de José Donoso, chileno nascido em 1924, é essencialmente a de um
narrador: contos, narrativas breves, romances.
Iniciou sua carreira em 1955
com Veraneo y otros cuentos mas
foram seus últimos romances, El obsceno
pájaro de la noche (1970) e Casa de
campo (1978) que efetivamente o tornaram conhecido. São romances longos e,
tecnicamente muito elaborados, surpreenderam a crítica e resultaram
instigantes para os estudiosos da Literatura.
No entanto, é com um breve e
conciso romance El lugar sin límites publicado
em 1967 que José Donoso torna inquestionável o seu talento narrativo.
Como epígrafe, um texto do Dr. Fausto de Christopher Marlowe que
lhe inspira o título do romance e o seu tema. : O inferno não tem limites,
nem fica circunscrito a um só lugar, porque o inferno é aqui onde estamos e
aqui onde é o inferno temos que permanecer
No romance de José Donoso,
esse limite está circunscrito aos arredores de Talca.
Próximo a seus vinhedos, Don
Alejandro Cruz lança a semente de um povoado. Casas se levantam com a esperança
de um futuro próspero trazido pela estrada de ferro e pela eletricidade. Os
anos passam e a estrada de ferro é preterida pela estrada de rodagem. A rede
elétrica não chega nunca. O povoado vai se perdendo na poeira e os que nele
permanecem é para um viver sem futuro.
Don Alejandro Cruz,
compreensivamente se oferece para comprar as casas encobrindo o intento de
aumentar seus já imensos vinhedos.
E é nesse espaço do
Continente, em terras ao sul de Santiago
abandonadas por seus habitantes para tentar a vida mais adiante, onde as
paredes e os muros são devorados por ervas daninhas, onde as casas estão vazias
e as ruas, povoadas, sobretudo de buracos e pedras; onde há vinhedos de um só
dono que se perdem de vista pelos quatro horizontes é que se move Manuela,
centro da narrativa.Um personagem homossexual literariamente construído com
maestria cuja riqueza consiste na inusitada ambigüidade que se expressa no
dizer e no narrar, revelando um ser
marcado por circunstâncias incomuns sem incorrer no grotesco ou na pieguice.
Sobre ele, principalmente,
recai a violência instaurada na sordidez
do bordel. Nele, como em tantos, que só queria cantar, rir e ser feliz.
Uma cara enrugada como passa de uva, fossas nasais negras e peludas como de égua velha, dentes postiços, ossos doloridos. Destruído pela
vida, Manuela é como esse povoado em que vive. Condenados, ambos a uma
asfixia determinada pelos poderosos.
E, assim, para Manuela o
inferno são os outros. Para Manuela que habita o Continente, o inferno também pode estar nesse lugar em que lhe foi
dado viver: uma casa semi-derruída onde entra a chuva e o vento. Um povoado que
morre de miséria.
Além de seus limites estão
as vinhas e a riqueza.

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