José Antonio do Vale Caldre
e Fião, gaúcho de Porto Alegre publicou no Rio de Janeiro onde foi estudar
Medicina, dois romances: A Divina Pastora
em 1847 e O Corsário em 1851.
Curiosamente, as duas obras
foram, ao longo dos anos, de difícil acesso. O Corsário, inexistente nas Bibliotecas Públicas do Rio de Janeiro
e do Rio Grande do Sul foi localizado pelo professor Guilhermino Cesar na
biblioteca particular do senhor Olyntho Sanmartin o que permitiu que lhe
dedicasse um capítulo na História da
Literatura do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, Globo, 1971 cuja primeira
edição foi em 1955).
A Divina Pastora que permaneceu um verdadeiro enigma bibliográfico durante 145 anos
foi, finalmente, encontrada no ano passado por um livreiro de Pelotas, Adão
Fernando Monquelat.
E, por fim, os dois romances
precursores do gênero no Brasil foram postos à disposição dos leitores: O Corsário, publicado pela Movimento e A Divina Pastora, planejado e executado
pela L&PM, editado pela Palloti de Santa Maria, especialmente para a Rede
Brasil Sul - RBS proprietária do volume original de 1847.
Em ambos, cada página deixa
transparecer o amor que o escritor devota por sua terra natal. Embora longe do
Rio Grande do Sul é em Porto Alegre e seus arredores que se passa a ação da Divina pastora; e no litoral próximo a
Tramandaí, aquela de O Corsário.
Também nos dois romances, diz Guilhermino César, referindo-se ao O Corsário, perpassa o sopro épico da luta farroupilha.
Mas, cabe à Divina Pastora, publicado quatro anos
antes que O Corsário ser a
precursora de uma ideologia regionalista que se instalaria mais tarde na
Literatura do Rio Grande do Sul e das quais iriam se originar textos
verdadeiramente ímpares.
O professor Flávio Loureiro
Chaves em “Um texto resgatado”, Introdução à Divina Pastora (Porto Alegre, RBS, 1992), observa que essa
ideologia regionalista estará presente em vários momentos do primeiro romance
de Caldre e Fião e que, embora sem empregar o termo gaúcho e sim
rio-grandense monarca das coxilhas, ele irá fixar-lhe os trajes e os
hábitos e compor-lhe a figura protótipa - e corajoso e audaz e viril e
hospitaleiro - que constituir-se-á, um pouco mais tarde, presença na ficção
brasileira.
Em A Divina Pastora não se trata da criação de um tipo gaúcho.
Almênio, o personagem masculino que, de certo modo, conduz a ação do romance,
não é, como os demais personagens, habitante da campanha, nem se dedica às lides
campeiras.No entanto, a primeira vez que é visto pela jovem com quem irá se
casar, usa o traje de monarca, termo que aparece grifado e que uma nota de
rodapé do professor Flávio Loureiro Chaves esclarece tratar-se de acepção plena de gaúcho, dominador do meio
em que vive, possuidor da melhor montaria, ajaezada com prataria e ouro. E
assim, sinônimo de indivíduo destemido, orgulhoso, elegante e livre. Mas,
na verdade, não será no personagem que o romancista irá se deter para falar do
Rio Grande do Sul e sim na paisagem, na menção de suas árvores e de seus
pássaros e de seus costumes e nas palavras com que define seus habitantes.
Para Caldre e Fião, o rio-grandense
é orgulhoso, altivo, forte nos combates, amigo fiel e inimigo implacável, o hospitaleiro por excelência.
E o romancista considerando
que já possui alguns quesitos necessários a um historiador, abandona o seu
papel de ficcionista para se permitir supor que essa maneira de ser é devida a
uma alimentação sadia e frugal, à uma educação moral em que o Rio-Grandense aprende, desde os primeiros
passos a respeitar os velhos, a ser amigo, a desprezar o covarde e a vingar-se
do inimigo; guarda fiel os usos que lhe foram transmitidos por seus pais e
julgar-se-ia desonrado se um dia deixasse de cumprir os preceitos de seu
evangelho.
Como epígrafe, na própria
capa do livro aparece a quadrinha: Cantando
a virtude / Na terra natal, / Sorri-me o
prazer, / De mim foge o mal que já é uma afirmação dos sentimentos que
norteiam o escrever de Caldre e Fião, alimentado por lembranças
autobiográficas, por reflexões morais e pedagógicas, por preocupações com o
fazer ficcional, por histórias que se acrescentam à história principal.
Um escrever preso sempre a
esse espaço geográfico preciso que o sub-título do romance anuncia: Novella rio-grandense.
De volta ao Rio Grande do Sul, Luiz Antonio do Valle Caldre e Fião se deixou absorver pela Medicina e sua dedicação não lhe deixou mais tempo para as Letras.
Sua carreira de ficcionista se encerrara.
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