domingo, 21 de fevereiro de 1993

Regionalismo:primeiros momentos

          José Antonio do Vale Caldre e Fião, gaúcho de Porto Alegre publicou no Rio de Janeiro onde foi estudar Medicina, dois romances: A Divina Pastora em 1847 e O Corsário em 1851.

          Curiosamente, as duas obras foram, ao longo dos anos, de difícil acesso. O Corsário, inexistente nas Bibliotecas Públicas do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul foi localizado pelo professor Guilhermino Cesar na biblioteca particular do senhor Olyntho Sanmartin o que permitiu que lhe dedicasse um capítulo na História da Literatura do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, Globo, 1971 cuja primeira edição foi em 1955).

          A Divina Pastora que permaneceu um verdadeiro enigma bibliográfico durante 145 anos foi, finalmente, encontrada no ano passado por um livreiro de Pelotas, Adão Fernando Monquelat.

          E, por fim, os dois romances precursores do gênero no Brasil foram postos à disposição dos leitores: O Corsário, publicado pela Movimento e A Divina Pastora, planejado e executado pela L&PM, editado pela Palloti de Santa Maria, especialmente para a Rede Brasil Sul - RBS proprietária do volume original de 1847.

          Em ambos, cada página deixa transparecer o amor que o escritor devota por sua terra natal. Embora longe do Rio Grande do Sul é em Porto Alegre e seus arredores que se passa a ação da Divina pastora; e no litoral próximo a Tramandaí, aquela de O Corsário. Também nos dois romances, diz Guilhermino César, referindo-se ao O Corsário, perpassa o sopro épico da luta farroupilha.

          Mas, cabe à Divina Pastora, publicado quatro anos antes que O Corsário ser a precursora de uma ideologia regionalista que se instalaria mais tarde na Literatura do Rio Grande do Sul e das quais iriam se originar textos verdadeiramente ímpares.

          O professor Flávio Loureiro Chaves em “Um texto resgatado”, Introdução à Divina Pastora (Porto Alegre, RBS, 1992), observa que essa ideologia regionalista estará presente em vários momentos do primeiro romance de Caldre e Fião e que, embora sem empregar o termo gaúcho e sim rio-grandense monarca das coxilhas, ele irá fixar-lhe os trajes e os hábitos e compor-lhe a figura protótipa - e corajoso e audaz e viril e hospitaleiro - que constituir-se-á, um pouco mais tarde, presença na ficção brasileira.

          Em A Divina Pastora não se trata da criação de um tipo gaúcho. Almênio, o personagem masculino que, de certo modo, conduz a ação do romance, não é, como os demais personagens, habitante da campanha, nem se dedica às lides campeiras.No entanto, a primeira vez que é visto pela jovem com quem irá se casar, usa o traje de monarca, termo que aparece grifado e que uma nota de rodapé do professor Flávio Loureiro Chaves esclarece tratar-se de acepção plena de gaúcho, dominador do meio em que vive, possuidor da melhor montaria, ajaezada com prataria e ouro. E assim, sinônimo de indivíduo destemido, orgulhoso, elegante e livre. Mas, na verdade, não será no personagem que o romancista irá se deter para falar do Rio Grande do Sul e sim na paisagem, na menção de suas árvores e de seus pássaros e de seus costumes e nas palavras com que define seus habitantes.

          Para Caldre e Fião, o rio-grandense é orgulhoso, altivo, forte nos combates, amigo fiel e inimigo implacável, o hospitaleiro por excelência.

          E o romancista considerando que já possui alguns quesitos necessários a um historiador, abandona o seu papel de ficcionista para se permitir supor que essa maneira de ser é devida a uma alimentação sadia e frugal, à uma educação moral em que o Rio-Grandense aprende, desde os primeiros passos a respeitar os velhos, a ser amigo, a desprezar o covarde e a vingar-se do inimigo; guarda fiel os usos que lhe foram transmitidos por seus pais e julgar-se-ia desonrado se um dia deixasse de cumprir os preceitos de seu evangelho.

          Como epígrafe, na própria capa do livro aparece a quadrinha: Cantando a virtude / Na terra natal, / Sorri-me o prazer, / De mim foge o mal que já é uma afirmação dos sentimentos que norteiam o escrever de Caldre e Fião, alimentado por lembranças autobiográficas, por reflexões morais e pedagógicas, por preocupações com o fazer ficcional, por histórias que se acrescentam à história principal.

          Um escrever preso sempre a esse espaço geográfico preciso que o sub-título do romance anuncia: Novella rio-grandense.

          De volta ao Rio Grande do Sul, Luiz Antonio do Valle Caldre e Fião se deixou absorver pela Medicina e sua dedicação não lhe deixou mais tempo para as Letras.
          Sua carreira de ficcionista se encerrara.

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