domingo, 14 de fevereiro de 1993

Enigma desvendado

         No dia 30 de dezembro de 1978, Guilhermino Cesar (o excelente crítico mineiro radicado há muitos anos no Rio Grande do Sul) publicava, no Caderno de Sábado do Correio do Povo de Porto Alegre, um artigo intitulado “Caçada nacional à Divina pastora"

         De autoria de José Antonio do Vale Caldre e Fião, gaúcho de Porto Alegre, esse romance A divina pastora, publicado no Rio de Janeiro em 1847 desaparecera misteriosamente e completamente. Tido como raridade bibliográfica durante mais de meio século, esse romance  passou a ser considerado um verdadeiro enigma bibliográfico, diz o escritor gaúcho Carlos Reverbel, sem esquecer que houve, inclusive, também aqueles que duvidavam de sua existência.

         É que, na verdade, do romance apenas restaram os anúncios publicados no Rio de Janeiro, tratando de seu conteúdo e informando estar ele à venda na Tipografia que o imprimira.

         Quando, em 1956, Guilhermino Cesar publicou a sua História da Literatura do Rio Grande do Sul, dedicou um capítulo a Caldre e Fião e a sua obra cuja análise, todavia permaneceu incompleta, uma vez que A divina pastora continuava desaparecida.   Mas, foi esse capítulo que, em 1971, quando a obra foi reeditada, renovou o interesse dos estudiosos por esse primeiro romance de Caldre e Fião.

         Guilhermino Cesar refere que muitos foram os que se lançaram a sua procura e que, inclusive por interferência do Ministro Rubem Rosa, o Diretor do Departamento de Assuntos Culturais do MEC, Manuel Diegues Júnior, solicitara, por vias oficiais, a colaboração dos Secretários Estaduais de Cultura no sentido de tentar a localização do romance.

         As tentativas, porém, resultaram todas vãs. Guilhermino Cesar, no entanto, não se deixou desanimar e termina seu artigo, afirmando esperançoso que o milagre desejado poderá vir ainda a acontecer: De onde menos se espera, ali do Passo do Vigário, de um baú de Anta Gorda, de uma lapa de Jaguarão - num dia que ninguém sabe dizer qual seja A divina pastora, achada pelo Negrinho do Pastoreio, virá cair em nossas mãos. O essencial já fiz - acendi o meu coto de vela.

         No ano passado, o alfarrabista de Pelotas, Adão Fernando Monquelat, comprou em Montevidéo um lote de seis livros brasileiros. Entre eles, A divina pastora, o primeiro romance de autor gaúcho e o segundo romance brasileiro, conforme palavras do professor Flávio Loureiro Chaves.  Antes dele, somente A Moreninha de Joaquim Manoel de Macedo havia sido publicado.

         O achado, sem dúvida emocionante para bibliófilos e estudiosos da Literatura, acabou tendo, no entanto, outros significados.

         Adquirido pela Rede Brasil Sul - RBS através do Projeto Memorial para o acervo da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, foi publicado três meses depois. Planejado e executado pela L&PM de Porto Alegre e impresso pela Editora Palloti de Santa Maria, esta segunda edição de A divina pastora resultou num belíssimo exemplar distribuído pela RBS que assim comemorou o seu 35º aniversário. Um ato simbólico de projeção para o futuro com o reconhecimento de uma referência do passado, disse, no momento em que era anunciado a aquisição da obra e a sua republicação, o Diretor-Presidente da RBS, Nelson Pacheco Sirotsky.

         Sem dúvida, este entrelaçar do passado com o futuro é algo de imprescindível para a manutenção ou construção dos valores de um país, principalmente quando nele se apresentam muito tênues o desejo de preservar-lhe a memória e o desejo de construi-lo com alicerces menos imediatistas.
          O ter a RBS possibilitado a leitura de uma obra que durante 145 anos permaneceu inalcançável é, certamente, contribuição valiosíssima que irá permitir, finalmente, seja A divina pastora estudada e possa ocupar o lugar de precursor que lhe é devido na História Literária do Rio Grande do Sul e do Brasil.
E os votos de professor Guilhermino Cesar, a sua quase certeza de que A divina pastora um dia iria aparecer, passados quase quarenta anos, se cumpriram.



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