No dia 30 de dezembro de
1978, Guilhermino Cesar (o excelente crítico mineiro radicado há muitos anos no
Rio Grande do Sul) publicava, no Caderno de Sábado do Correio do Povo de Porto Alegre, um artigo intitulado “Caçada
nacional à Divina pastora"
De autoria de José Antonio
do Vale Caldre e Fião, gaúcho de Porto Alegre, esse romance A divina pastora, publicado no Rio de
Janeiro em 1847 desaparecera misteriosamente e completamente. Tido como raridade
bibliográfica durante mais de meio século, esse romance passou
a ser considerado um verdadeiro enigma bibliográfico, diz o escritor gaúcho
Carlos Reverbel, sem esquecer que houve, inclusive, também aqueles que
duvidavam de sua existência.
É que, na verdade, do
romance apenas restaram os anúncios publicados no Rio de Janeiro, tratando de
seu conteúdo e informando estar ele à venda na Tipografia que o imprimira.
Quando, em 1956, Guilhermino
Cesar publicou a sua História da
Literatura do Rio Grande do Sul, dedicou um capítulo a Caldre e Fião e a
sua obra cuja análise, todavia permaneceu incompleta, uma vez que A divina pastora continuava
desaparecida. Mas, foi esse capítulo que,
em 1971, quando a obra foi reeditada, renovou o interesse dos estudiosos por
esse primeiro romance de Caldre e Fião.
Guilhermino Cesar refere que
muitos foram os que se lançaram a sua procura e que, inclusive por
interferência do Ministro Rubem Rosa, o Diretor do Departamento de Assuntos
Culturais do MEC, Manuel Diegues Júnior, solicitara, por vias oficiais, a
colaboração dos Secretários Estaduais de Cultura no sentido de tentar a
localização do romance.
As tentativas, porém,
resultaram todas vãs. Guilhermino Cesar, no entanto, não se deixou desanimar e
termina seu artigo, afirmando esperançoso que o milagre desejado poderá vir ainda a acontecer: De onde menos se espera, ali do Passo do Vigário, de um baú de Anta
Gorda, de uma lapa de Jaguarão - num dia que ninguém sabe dizer qual seja A divina pastora, achada pelo Negrinho
do Pastoreio, virá cair em nossas mãos. O essencial já fiz - acendi o meu coto
de vela.
No ano passado, o
alfarrabista de Pelotas, Adão Fernando Monquelat, comprou em Montevidéo um lote
de seis livros brasileiros. Entre eles, A
divina pastora, o primeiro romance de autor gaúcho e o segundo romance
brasileiro, conforme palavras do professor Flávio Loureiro Chaves. Antes dele, somente A Moreninha de Joaquim Manoel de Macedo
havia sido publicado.
O achado, sem dúvida
emocionante para bibliófilos e estudiosos da Literatura, acabou tendo, no
entanto, outros significados.
Adquirido pela Rede Brasil
Sul - RBS através do Projeto Memorial para o acervo da Fundação Maurício
Sirotsky Sobrinho, foi publicado três meses depois. Planejado e executado pela
L&PM de Porto Alegre e impresso pela Editora Palloti de Santa Maria, esta
segunda edição de A divina pastora
resultou num belíssimo exemplar distribuído pela RBS que assim comemorou o seu
35º aniversário. Um ato simbólico de projeção para o futuro com o reconhecimento de uma
referência do passado, disse, no momento em que era anunciado a aquisição da obra e a sua
republicação, o Diretor-Presidente da RBS, Nelson Pacheco Sirotsky.
Sem dúvida, este entrelaçar
do passado com o futuro é algo de imprescindível para a manutenção ou
construção dos valores de um país, principalmente quando nele se apresentam
muito tênues o desejo de preservar-lhe a memória e o desejo de construi-lo com
alicerces menos imediatistas.
O ter a RBS possibilitado a
leitura de uma obra que durante 145 anos permaneceu inalcançável é, certamente,
contribuição valiosíssima que irá permitir, finalmente, seja A divina pastora estudada e possa
ocupar o lugar de precursor que lhe é devido na História Literária do Rio
Grande do Sul e do Brasil.
E os votos de professor
Guilhermino Cesar, a sua quase certeza de que A divina pastora um dia iria aparecer, passados quase quarenta
anos, se cumpriram.
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