Guerrilha de palavras, disse Dom Pedro Casaldáliga da poesia de Ernesto
Cardenal.
Poeta, Revolucionário, ele
foi perseguido, foi encarcerado, foi vítima do exílio. Verdadeiramente, um
“perigoso adversário" que se serve da palavra para denunciar as injustiças
do sistema e tecer esperanças para o Continente, ele parte de uma vivência
profundamente introspectiva à qual se mescla essa outra, vivida pelo homem de
ação.
No poema "En el
lago" parte da obra La santidad de
la revolución (Salamanca, 1976), os primeiros versos (como, aliás o próprio
título) remetem a um texto aparentemente romântico: O céu nigérrimo com todas suas estrelas / e eu no meio do lago,
olhando para elas de uma velha lancha - a “Maria Danélia" - deitado na
popa sobre os sacos de arroz.
Eles introduzem as reflexões
interrogativas sobre esses imensos mundos, esses luminosos mundos, mundos
que nos chegam somente como luz que a sua imaginação cria diante do
espetáculo celeste.
Porém, o que leva,
abruptamente, dessa aparente simples contemplação do firmamento às reflexões
sobre o universo e as galáxias está contido no quinto verso que, de forma
prosaica e incisiva informa: Acabo de ser
interrogado pela Corte Militar.
E o olhar que se voltava
para as galáxias, se volta, a partir dessa lembrança, para um universo agora
próximo e real e cruel em que reinam as atrocidades do Sistema. Seguem-se oito
versos que, juntamente com os outros dois que aparecem mais adiante, se
constituem essa guerrilha de palavras que, certamente não provocam a queda de
nenhum governo mas impedem que permaneça desconhecido, pelo menos da minoria
que tem acesso à leitura, esse terror que é presença quase constante no
Continente: E penso no companheiro “Modesto” na montanha; de origem camponesa; não se
conhece o seu nome. E nos camponeses pendurados pelos pulsos /
arrastados pelo sexo. / Um menino de 8 anos degolado, dizem os capuchinhos. Os
prisioneiros metidos em latrinas coletivas / uns sobre os outros, mulheres,
crianças, velhos.
E, inserido entre outros
versos: Muitos estão presos, outros
clandestinos. / Dos helicópteros, os camponeses são lançados.
Informações claras, diretas
e das quais parecem estar ausente a emoção do poeta e o sofrimento que, no
entanto, são as razões que o impulsionam nessa luta em favor de seu povo e dos
demais povos da América Latina.
Descritivos, narrativos,
testemunho, são poemas que se tornam Crônica‚ História do Continente.
E, confiante, Ernesto Cardenal
lhes prevê perenidade: Nossos poemas ainda não se podem publicar. / Circulam de
mão em mão, manuscritos, / ou copiados em mimeógrafo. Mas um dia / O nome do
ditador contra quem foram escritos será esquecido / e continuarão sendo lidos.
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