domingo, 7 de fevereiro de 1993

Guerrilhas de palavras

          Guerrilha de palavras, disse Dom Pedro Casaldáliga da poesia de Ernesto Cardenal.
 
          Poeta, Revolucionário, ele foi perseguido, foi encarcerado, foi vítima do exílio. Verdadeiramente, um “perigoso adversário" que se serve da palavra para denunciar as injustiças do sistema e tecer esperanças para o Continente, ele parte de uma vivência profundamente introspectiva à qual se mescla essa outra, vivida pelo homem de ação.
 
          No poema "En el lago" parte da obra La santidad de la revolución (Salamanca, 1976), os primeiros versos (como, aliás o próprio título) remetem a um texto aparentemente romântico: O céu nigérrimo com todas suas estrelas / e eu no meio do lago, olhando para elas de uma velha lancha - a “Maria Danélia" - deitado na popa sobre os sacos de arroz.
 
          Eles introduzem as reflexões interrogativas sobre esses imensos mundos, esses luminosos mundos, mundos que nos chegam somente como luz que a sua imaginação cria diante do espetáculo celeste.
 
          Porém, o que leva, abruptamente, dessa aparente simples contemplação do firmamento às reflexões sobre o universo e as galáxias está contido no quinto verso que, de forma prosaica e incisiva informa: Acabo de ser interrogado pela Corte Militar.
 
          E o olhar que se voltava para as galáxias, se volta, a partir dessa lembrança, para um universo agora próximo e real e cruel em que reinam as atrocidades do Sistema. Seguem-se oito versos que, juntamente com os outros dois que aparecem mais adiante, se constituem essa guerrilha de palavras que, certamente não provocam a queda de nenhum governo mas impedem que permaneça desconhecido, pelo menos da minoria que tem acesso à leitura, esse terror que é presença quase constante no Continente: E penso no companheiro “Modesto” na montanha; de origem camponesa; não se conhece o seu nome. E nos camponeses pendurados pelos pulsos / arrastados pelo sexo. / Um menino de 8 anos degolado, dizem os capuchinhos. Os prisioneiros metidos em latrinas coletivas / uns sobre os outros, mulheres, crianças, velhos.
 
          E, inserido entre outros versos: Muitos estão presos, outros clandestinos. / Dos helicópteros, os camponeses são lançados.
 
          Informações claras, diretas e das quais parecem estar ausente a emoção do poeta e o sofrimento que, no entanto, são as razões que o impulsionam nessa luta em favor de seu povo e dos demais povos da América Latina.
 
          Descritivos, narrativos, testemunho, são poemas que se tornam Crônica‚ História do Continente.
 
          E, confiante, Ernesto Cardenal lhes prevê perenidade: Nossos poemas ainda não se podem publicar. / Circulam de mão em mão, manuscritos, / ou copiados em mimeógrafo. Mas um dia / O nome do ditador contra quem foram escritos será esquecido / e continuarão sendo lidos.

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