domingo, 7 de junho de 1992

Fugitivos da fome I


Não saíram dos portos do sul para por as mãos do povo no saque e na morte .Pablo Neruda.

          No Canto III do Canto General a chegada dos espanhóis, com seus ódios e ambições, é cantada, sem complacências, por Pablo Neruda. Os carniceiros arrasaram as ilhas, diz o primeiro verso desse Canto III que tem por título “Os conquistadores”. E são esses conquistadores que chegam às ilhas, em 1493, que o poeta chama de carniceiros.
          E logo foi o sangue e a cinza é o verso que inicia o segundo poema: síntese do que, página após página será contado no Canto general. Punhais e fogueiras,determinando posses, apagando um passado de séculos.
 
          No México, na Colômbia, no Panamá, no Peru, no Chile foram chegando os barcos e os personagens que Pablo Neruda chama de chacal podre, cruel porco da Extremadura, capitão intruso, vertebrados sanguinários unidos para se repartir a terra e seus frutos.
 
          O terror se instalou então no Continente, repetindo o Velho Mundo onde viviam não somente os que eram amos.

          Neruda lembra que os conquistadores, esses Arias, Reyes, Rojas, Maldonados que povoavam os barcos também de medos e incertezas, eram os filhos do desamparo castelhano / conhecedores da fome no inverno / e dos piolhos das hospedarias. Os que se aventuraram nas intermináveis viagens em oceanos desconhecidos para fugir das misérias antigas.

          Deserdados, eles são. Pablo Neruda imagina a sina que lhes seria destinada se continuassem a viver naquelas terras áridas que não lhes pertenciam e onde deveriam ser submissos à mãe, ao irmão, ao Juiz, ao Padre / aos inquisidores, ao inferno, à Peste.
 
          E imagina os rostos barbados, as caras hirsutas, as mãos rotas no trabalho e os braços de ferreiro. Esses olhos de criança olhando o Continente que se aproxima e que eles querem de terras verdes, liberdades, correntes partidas, fugitivos que são do látego feudal, do calabouço, das prisões cheias de excrementos.
 
          Atravessaram os mares, sofreram os rigores do sol e das incertezas e das separações, das cruéis violências e bárbaras destruições apenas para reencontrar um Novo Mundo.   Mas ele já havia sido dividido em castas. Os pobres do mundo, a inumerável e castigada / família dos pobres do mundo, dos versos de Neruda, se perpetuaram, então, no Continente.

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