Prendeste a
todos os que desejavam ficar, cuidar de suas casas, regar suas árvores, tu
somente queres homens a cavalo, agarrados nos arcabuzes e nos punhais, somente
queres soldados [...],
disse com valentia e desespero. Não queria partir e
lutar outra vez. Desejava, como as árvores, tomar raízes, mas devia desfazer o
que fora feito para tornar a construir adiante. Obedecer às ordens do capitão.
Juan Nuñez
de Prado, o capitão, fundara a cidade de Barco em 1570 para o rei da Espanha.
Querendo defendê-la das ambições de Pedro de Valdivia que do Chile a ameaçava,
a desfaz e nos ombros dos índios e no bojo das carretas a leva para um novo
lugar.
Dos duzentos homens que estão sob suas
ordens, muitos não querem segui-lo. Haviam sido tirado dos cárceres de
Arequipa, talvez. Talvez fossem aqueles famintos
sem entranhas que, a conselho do Vice-rei do Peru, fora Juan Nuñez de Prado
buscar para sua expedição. Ou, talvez fossem os cavaleiros empobrecidos e sonhadores,
amaciados pela miséria, perseguidos e solitários que estavam dispostos a
novas aventuras Continente a dentro.
Entre
eles, no entanto, os que também havendo fundado a cidade nela queriam se fixar,
esquecendo ou ignorando os sonhos de conquistar terras desconhecidas que o
Vice-rei alimentava. Então, apegavam-se à terra - do outro lado do oceano
jamais a haviam possuído - e aos frutos que essa terra havia dado. São os que
choram ao ver os jardins pisados pelos cavalos; são os que, ao receber a ordem
de tudo desfazer e continuar a viagem, se prendem às árvores que haviam
plantado e juram que não irão partir. Por isso são enforcados.
Outros
se apegam às madeiras das casas construídas por suas mãos. A ordem de
destruí-las, ainda que para outra vez erguê-las em novo assento, lhes era
impossível cumprir. Assim foi para Pedro Albañez que recusa, horrorizado, a
possibilidade de partir deixando para trás os seus bens: Salvar-me deixando minhas
madeiras, meus móveis? ele pergunta. E se nega a partir e morre sob a chuva
de balas que os soldados obedientes lhe destinam. E sob o punhal morre o jovem soldado que fora
preso porque tampouco admitia abandonar o que fizera. Amarrado era como se
apenas esperasse ficar livre para tornar às suas flores.
São
espanhóis que a Espanha havia embarcado para o Novo Mundo e condenado a
trabalhar para a sua glória. Mas eles desejavam, apenas, ter uma casa com vasos
de flores nas sacadas, laranjeiras, limoeiros, amêndoas e pêssegos, romarinho e
rosas porque ali é que desejavam viver.
Um dos
capitães da conquista, que se acredita capaz de levar o mundo sobre os ombros e para isso paga o preço de ser injusto,
mau e assassino, não pode entender esses homens (tropa de ladrões e de assassinos) vindos da Espanha para conquistar
as terras do Novo Mundo que não sabem
abandonar virilmente um vaso de
flores e umas dúzias de frutas perfumadas.
Assim os
que desejavam se fixar e construir seu mundo, opondo-se aos interesses dos que
se escudavam nas, então, indiscutíveis verdades do rei e do clero, foram
destruídos.
E, igualmente, destruídos ou pelas vicissitudes ou
por traições ou pelas mesmas verdades que defendiam, foram os que executavam as
ordens.
Um
personagem do romance, em certo momento dirá: que a Espanha faminta e iluminada os sacudiu para longe como um punhado de
piolhos.E famintos e despojados eles, os que ordenavam e os que obedeciam
chegaram ao Continente. Em nome da Espanha e da religião foram esmagados.
Num dia de
maio, Carlos Droguett tira essas sombras do esquecimento das crônicas oficiais
e as traz para El hombre que transladaba las ciudades (Noguer, 1973), o mais belo e
profundo romance escrito neste século.

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