domingo, 27 de janeiro de 1991

Verdina, um conto de sempre

            Nascido em Jaguarão, às margens do rio que separa as terras brasileiras das uruguaias, Aldyr Garcia Schlee é autor de contos que fazem reviver esse gaúcho  mais integrado nos pampas sem  fronteiras do que no espaço dos limites oficiais.

            Contos de sempre ( Mercado Aberto, 1988), se compõe de dois grupos de narrativa:  "Os de ontem”, episódios das lutas travadas nos territórios disputados pelos portugueses e espanhóis e “Os de hoje”, situados no mesmo espaço geográfico, hoje parte do território rio-grandense. Os personagens, como se fossem  sempre os mesmos. Na segunda parte, degradados pelo passar do tempo e pela perda de valores.

            Entre as doze narrativas, sobressai, como peça valiosa e única, a primeira  da coletânea, Verdina. Embora inusual, um nome que anuncia o personagem feminino que, também, inusualmente, aparece na narrativa e na vida do gaúcho Pedro.

            Uma negra de olhos azuis chamada Verdina. E um  homem  de nome Pedro. Ela, de certo, filha de patrão ou patrãozinho de outro lado do rio, filha de mucama manceba do dono;  ele, com o cavalo e com a divisa que levava no chapéu, sozinho no rancho. Sozinho como órfão, como guacho, como agregado. E o campo,  em volta, iluminado de sol e de vida.

            Presença feminina que se agranda pelos olhos e pelo sentir do gaúcho. E, a partir dessa presença, também a ausência e uma solidão que aumenta. Enorme, inexpugnável, nesses dois seres em que todas  as palavras são sepultadas por prudência, por orgulho, consciência de classe e racismo que irão congelar os anseios do homem.

            A narrativa acompanha umas poucas horas – as mais densas, talvez as mais luminosas e cruéis da vida de Pedro -  e habilmente entrelaça o passado e o presente. Passado que se faz presente pela força das emoções. Presente que nas sensações irá se prolongar para sempre.  E o passar do tempo e a  distância percorrida, indicados por uma ação sem verbos: os corpos unidos no galope, no trote, na marcha, no galope e no trote, na marcha, no passo...

            Depois, simultâneo com a ação, o dar-se conta do que acontecia, do que lhe acontecia. Pedro, à medida que desencilhava o cavalo, que o libertava dos arreios, ia ele próprio, se  desnudando diante de si mesmo, compreendendo-se entregue.

            Entrega que ele não se permite, porém, mesmo vendo a dança amorosa do casal de bem-te-vi no ar e, mesmo, vendo de perto, junto à cova, um casal de corujinhas do campo. Embora com o peito apertado, ele recusa o destino que poderia advir sem solidão.

            Da mulher, de Verdina, pouco se fala. Apenas de seu jeito de ser mulher, de seus olhos.  Mais do que vermelhos de choro, são olhos que sorriem, se escondem, se levantam, brilhantes, na linguagem da conquista.

            Verdina, sete páginas emarcadas nos primeiros anos da História do Rio Grande do Sul:  e as mortes, e as degolas, e as lutas, e o destino das mulheres..  E, depois, seres. Um homem e uma mulher que mais do que símbolos de uma época  são a expressão do eterno desencontro que pode acontecer num caso de amor.

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