com o romance El Señor Presidente, um livro perfeito e terrível como poucos. Em se tratando da Literatura do Continente, tão pródiga em textos que expressam a violência, trata-se de uma obra que contém, talvez, os textos mais sombrios e cruéis sobre os meandros de uma ditadura e sobre a desintegração física e moral de um cidadão dessa ditadura.
Entre
os muitos personagens do romance, destruídos pela vontade onipresente e
absoluta do presidente, um deles, Miguel
Cara de Angel é aquele que sofre
todas as degradações a que podem estar sujeitos os que habitam esses espaços
que se constituem “territórios de ninguém”, porque, afinal, são territórios que
pertencem a uns poucos. Ele é belo, rico
e tem nas mãos o poder fácil, irresponsável daqueles que aceitam ser
cognominados favoritos.
Pouco
se conhece de sua vida a não ser que tem caminho livre junto ao presidente.
Também se ignora se é feliz. Porém, no momento em que toma consciência do
sentimento por Camila e em que presencia
o seu sofrimento, a sua aproximação da morte, presa no terrível círculo que a
envolve, aceita, finalmente, a lucidez da qual, por interesse, até então
fugira.
Passa a ser, então,
intensamente, dominado pela angústia mas, apenas, nos raros instantes em
que o amor lhe permite voltar-se para algo que lhe seja estranho. Ou seja, a
angústia que o atormenta é pelo ser que ama, pelo medo de perdê-la, de ter a
própria felicidade destruída. O que se passa a seu redor continua a perceber apenas
como sombra e névoa.
Ao
imaginar a possibilidade de fugir,
apenas pensa em correr, voar, salvar-se. Mas, prisioneiro daquele a quem
uma vez salvara a vida, é torturado, atirado sobre o esterco num trem cuja
viagem não tem retorno. Passa
anos no calabouço, incomunicável. Seu
corpo sem ar, sem movimento, reumático,
padecendo nevralgias errantes, quase cego, se desintegra. A angústia do
espaço limitado, da irremediável falta de liberdade, da solidão, não consegue,
no entanto, tirar-lhe o alento, mantido pela esperança de rever Camila. Mas,
não apenas essa esperança lhe é
arrancada, como a própria imagem que restava dela é enlameada, ultrajada,
conspurcada.
Na
imundície, na desolação, no desamparo total do homem que em meio a uma
incomensurável miséria, ainda recebe algo para torná-lo mais miserável, - a
certeza de uma traição – Miguel Cara de Angel morre.
O
ciclo degradante do usufruto do Poder para a condição de vítima desse mesmo
Poder, se completara.

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