Em
outubro do ano passado, numa edição bilíngüe, a Editora da Universidade Federal
de Santa Catarina, publicou Contos da Selva de Horacio Quiroga. O
escritor uruguaio havia escrito esses contos para seus filhos e os fora
publicando em periódicos até que, em 1918, apareceram em livro editado pela
Sociedad Cooperativa Editorial Limitada “Buenos Aires”.
Juntamente
com inúmeros artigos sobre a fauna da região missioneira argentina e sobre a
erva-mate, a criação do bicho da seda, o cultivo da mandioca e a destilação da madeira, esses contos são
resultado da vida que passou na selva.
Uma
vida que escolheu ou que foi levado a escolher. Depois de estudos que não
completou, depois de escrever versos modernistas e de ir a Paris e de pertencer
a um círculo literário de Montevidéu, a tragédia de ter matado, acidentalmente,
um de seus melhores amigos, o levou ao auto-exílio.
Inicialmente,
nos primeiros anos de 1900, viveu no Chaco argentino, perto de Resistência onde
plantou algodão numa época em que não havia para isso apoio governamental e nem
interesse pela fiação. Mais tarde, se
instalou na região das Missões, dedicando-se ao cultivo da erva-mate. O que era
feito primitivamente, ele tencionou realizar com método. Mas, foi a época em
que aqueles que industrializavam a erva-mate na Argentina, se abasteciam no
Brasil e no Paraguai. Então, Horacio Quiroga se lança na venda de laranjas, na
produção de sucos, na destilação de azeite.
No
entanto, apesar de sua imensa capacidade de trabalho e do entusiasmo pelo que
fazia, seus empreendimentos, por uma razão ou por outra, fracassaram sempre.
Como diz Philippe Humbé na orelha da edição brasileira de Contos da Selva:
escrever contos para manter plantações
não podia dar muito certo. Certo
foi, então o quê Horacio Quiroga. Textos que o situam entre os mais expressivos
escritores do Continente.
Ainda
que desconhecido do grande público e, sem dúvida, apenas conhecido de alguns
críticos literários, sua obra atravessou as fronteiras. A professora Tânia
Piacentini que traduziu Contos da Selva para o português encontrou
edições de suas obras no México, Venezuela, Chile e Equador. No Brasil, em
1977, Salim Miguel publicou em Ficção, o conto “Os desterrados” e, em
1981, a Rocco publicou Anaconda.
Contos
da Selva se compõe de oito relatos para crianças. Dois deles, são histórias
de animais. “A abelha preguiçosa” conta a luta de uma abelha para se salvar num
momento de perigo e, então, compreender a necessidade de trabalhar como as
outras o quê, até então, não fizera. “As meias dos flamingos” é uma fantasiosa
explicação para a cor das pernas e para
o hábito que tem os flamingos de ficarem longo tempo apoiados numa perna só.
Assim
como as abelhas falam e como falam os flamingos nessas duas histórias, nas
outras seis os animais também falam. E, não apenas entre si, mas com os
humanos. No conto “A guerra dos jacarés”, os homens destroem o dique construído
pelos jacarés para impedir a navegação perniciosa que espantava os peixes. Em
dois contos, os animais já domesticados, sofrem danos de outros animais
selvagens e procuram voltar para junto dos humanos que os tratavam bem e com os
quais haviam aprendido a se comunicar.
Duas
histórias tem por personagens homens solitários que vivem em meio à natureza e
quando em perigo de vida são salvos por animais .Em outra, é o animal em
dificuldades que busca o auxílio do homem e o recebe.
Muito
embora, nesses contos, por vezes sucedam mortes, elas são conseqüência de uma
luta, de um enfrentamento cujo motivo se inscreve na lógica da luta pela
sobrevivência. Assim, o homem mata tigres para se defender, um navio é
destruído pelos jacarés e apenas o velho jacaré desdentado devora um dos adversários:
o oficial com galões de ouro na roupa e que dera voz de ataque.
E
o equilíbrio retorna sempre. Com exceção das aves que nunca mais se libertaram
dos danos sofridos no conto “As meias dos flamingos” e do quati, vítima da picada de uma cobra do conto “História de
dois filhotes de quati e dois filhotes de homem”, todos os demais têm final
feliz.
O
que, no entanto, não significa uma visão de mundo idealizada, simplista ou
ingênua.
Certamente,
Horacio Quiroga desejou dar lições a seus filhos. Então, fez falar os animais,
fez com que valessem para eles as virtudes que se espera encontrar nos homens.
Mas, debatendo-se entre as normas que regem o cotidiano dos homens,
solitário entre os humanos, vencendo,
poucas vezes, a muralha da solidão, sobretudo, ele inventou um mundo no qual a
gratidão, a fidelidade e o altruísmo fogem das barreiras do impossível para
existir na ficção dos animais que falam.
Refúgio
em um mundo desejado.



