Isabel
e Idolina, Julia e Mercedes. Quatro destinos privados de horizontes numa
estrutura social extremamente conservadora e religiosa.
Ciudad
Real se encrava no vale, fundada por espanhóis na Península de Yucatán, próximo
à Guatemala. Apesar do nome, é uma pequena cidade, orgulhosa dos que nela
nascem e da língua que falam. Suas mulheres, modestas e castas, se encerram nos
solares avoengos e os dias amanhecem e anoitecem sem que suceda outra coisa senão
suas mudanças de luz. O quê pouco importa para as mulheres que olham a vida
através dos cristais das janelas e evitam o sol para preservar a brancura da
pele. E, assim pouco importa, também, para Isabel ou Idolina.
Isabel
Zebadua pertence àquelas famílias cujo nome é “um talismã”. Usá-lo, significa
prescindir de qualidades pois a sua posse, de per si, tudo garante: nenhuma crítica pode
alcançá-la, nenhum elogio enaltecê-la ainda mais.
Sem
o amor do marido, interessado em qualquer outra, sem o amor da filha, criada
por uma ama, ela prefere estar no quarto
de costura, pensando nas suas desditas.Quando delas fala para a filha, não
obtém resposta; quando delas fala para o marido, acaba calando. Então, murmura
consigo mesma sobre a humilhação de ser
traída com as índias ou com uma
branca sua igual para concluir que, finalmente, nada está a perder porque, há
muito, o marido já não lhe pertencia e que, tanto faz que delapide o seu capital
porque dela não irá obter ajuda, mais tarde, quando vier pedir.
Idolina
é a filha enferma que jamais abandona o leito. As confidências que a mãe faz,
buscando consolo e perdão pelo abandono a que a havia condenado, só obtém, como
resposta, o silêncio. No íntimo, se
regozija pelo fracasso amoroso da mãe e se sente vingada de suas ausências, de
ter sido delegada a uma índia que não somente a amamentava como lhe dava todos
os cuidados . E seus próprios medos e angústias – deseja se queixar, protestar –
não têm a quem se dirigir. Enche uma página e outra com sua letra grande e
desgovernada, daqueles acostumados a outros afazeres. E’um grito tumultuoso, uma confissão infantil, o último grito de quem
se afoga. Quando termina, está ofegante como se tivesse feito um grande esforço
físico. Dobra os papéis e os guarda num envelope.
Somente então, se dá conta que não tem a quem dirigi-los. Por isso, o
destrói na chama da vela.
Julia
é a forasteira que chega na cidade. Não é casada com o homem com quem vive e
aspira pertencer ao círculo das senhoras ricas e respeitáveis. Não o consegue
nem com a simpatia, nem com a insistência. Somente uma complicada “rede de
evoluções e táticas” lhe fazem chegar as visitas que desejara. Mas, nos seus
salões, as mínimas normas sociais são desrespeitadas e ela, a anfitriã, mantida
fora do círculo das conversações. Quando pretende rompê-lo, aventurando-se numa
pergunta, a resposta lhe é dada vagamente ou com impaciência como se a sua curiosidade não fosse lícita nem oportuna. Ao sair a
última convidada, Julia mensura, então, seus esforços e os resultados e,
sozinha, se pergunta se vale a pena se empenhar tanto em
penetrar num mundo tão fechado,
galgar uma hierarquia tão inacessível.
Mercedes,
que na sua juventude ofertava seus favores dentro de casa, como uma rainha, vai
envelhecendo e se perdendo. Um dos homens a quem iniciou nos jogos amorosos,
agradecido, a mantém como alcoviteira o que não impede que esteja marginalizado
de tudo. Mesmo aqueles que, ainda, a cumprimentam, em lembranças de antigos
tempos, o fazem medrosos de serem vistos. O temperamento alegre de Mercedes,
porém, não se habitua a esses silêncios, impostos pelas circunstâncias e, para espantá-los inventa um vago auditório
a quem vai contando seu passado e comentando coisas do presente.
Ou
porque não se submetem aos deveres familiares – Isabel não assume os encargos
maternos, Idolina ignora o afeto filial – ou porque as normas sociais impedem o
acesso ao círculo dos eleitos àquelas considerados marginais – Julia por não
ser casada, Mercedes por seu “ofício”- são mulheres condenadas à solidão.
Personagens
de Oficio de tinieblas ( México, 1962), romance que mesclando a ficção e
a crônica fala de um mundo que tem sido sempre o mundo dos latino-americanos,
dividido em pobres e ricos, em brancos e
índios, em trabalhadores e ociosos. Nesse mundo, os personagens femininos
também estão impregnados dessas dicotomias e, ainda, daquelas
advindas das estruturas familiares e sociais e das relações que nela se
estabelecem.
Qualquer
que seja a cor de sua pele, a classe a qual pertence, o poder econômico que
possua esse personagem feminino será
mantido, embora tenha voz e queira usá-la, com as palavras na garganta.
No
seu romance, Rosário Castellanos, romancista do Continente, quis livrá-las do silêncio.


