domingo, 12 de agosto de 1990

Pelos caminhos do rio


            Entre 1940 e 1969, José Maria Árguedas publicou, regularmente, artigos que giraram, na sua maioria, em torno do índio peruano. Esses artigos de difícil ou impossível acesso para muitos pesquisadores, foram selecionados por Angel Rama e publicados sob o título Senõres e indios, em 1976, pela Arca de Montevidéu e pela Calicanto de Buenos Aires.

            Trinta e oito artigos formam o livro cuja introdução “José Maria Árguedas, transculturador”, assinada pelo crítico uruguaio,  permite, não somente, situá-los no conjunto da obra de José Maria Árguedas mas, sobretudo, compreendê-los como representação de um pensamento profundamente e unicamente comprometido com uma América para aqueles que foram, desde sempre, os seus donos, embora alijados da terra e de seus valores pelos que aqui chegaram e usurparam.

            No entender de Angel Rama, o que distingue o escritor peruano daqueles que se serviram da temática indígena para construir sua ficção  é o enfoque do qual ele parte: a cosmovisão das comunidades indígenas e não a visão do branco sobre elas.

            Em seus ensaios sobre Antropologia e Folclore que formam Senõres e indios, as expressivas descrições de festas, ritos, cerimônias, danças, cantos, de profundo valor documental evidenciam, sempre, o drama de uma comunidade que, desde 1592, resiste à invasão da cultura      dos invasores.

            Comoventes são todas essas imagens da vida andina que José Maria Árguedas fixou. Como intelectual, ele busca a exatidão; como um homem extremamente sensível, percebe essa dualidade estabelecida nas manifestações culturais e religiosas que, na verdade, expressa o processo de destruição dos valores de todo um povo.

            Na festa de Tina, um povoado silencioso de ruas estreitas, os homens solteiros saem para passear tocando flauta, vestidos com grande elegância, caminham, orgulhosamente, na praça.  As índias solteiras se vestem ricamente. José Maria Árguedas lhes descreve, com minúcia, a beleza dos trajes indígenas e nobres. Constata que os homens, apesar de seu orgulho, de sua altivez desdenhosa, levam nos sapatos de futebol e nos cintos de couro, a feia marca do traje híbrido e desalinhado do mestiço.

            Talvez no desejo de esquecer essa visão melancólica é que o seu olhar se volta para a paisagem: sob a ponte de Tinta  passam as águas do Vilcanota, silenciosas e transparentes.

            Como que um irreal caminho ainda não conspurcado.

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