Dizia
Tzvetan Todorov, em 1970, e, naturalmente, se referia à Literatura européia,
que o fantástico – sonho ou paroxismo da
imaginação – é uma fissura numa ficção que mimetiza a realidade. Afirmação que
se invalida diante dos contos fantásticos de escritores do Prata, nascidos
entre 1935 e 1949. Neles, vão caber bruxas e vampiros, mortos que atuam,
expressões de loucura, alterações da casualidade, seres que se transformam.
Elementos que não provocam na realidade ficcional um fissura, mas se constituem
momentos dessa realidade.
No
conto “La casa de brujas”de Roberto Iglesias Sicardi, a bruxa é, apenas, um dos
elementos estranhos do conto. Loira, bico dos seios que se situam no antebraço,
capaz de ler pensamentos, participa de conciliábulos para onde se dirige montada numa vassoura. De
Eduardo Mignona, Guillermo é personagem do conto que tem por título o seu nome.
Ele é degolado pelo filho do patrão que leva sua cabeça numa bandeja para a
festa de Natal. E, então, a cabeça fala. Em “Los muertos”, conto de Sylvia
Lago, eles parecem jovens e perfeitos no cemitério onde dançam e se unem à
mulheres para dançar e amar. Pelos do corpo que crescem e matam ou membros
estranhos surgindo num corpo humano são manifestações psicológicas de
desequilibrados e estãopresentes nos contos “De lamis y pythonicis
mulieribus” e “Este lugar tan oscuro y tan solo”, respectivamente de Eduardo
Gudiño Kieffer e Orlando Barone. Depois
de naufragar, o navio emerge com todas as luzes acesas e navega no conto de
Alfredo Zitarroza “El desnaufragio”, divertida alteração da casualidade.
Nas
metamorfoses – homens transformados em animais, piano transformado em pantera –
há uma forte presença de antropoformismo. Um gato que ri ou ratos que se vestem
para um ritual se encontram nos contos “El robo”, “La octava nota”, “Aventura
marítima”, “Las ratas” de Daniel Samoilovich, Morge de Paola, Elvio E. Gandolfo
e Sylvia Lago.
Um
anti-natural alimentando duas linhas possíveis de um texto ficcional: a fuga da
realidade e a acusação das mazelas dessa mesma realidade.
Prisioneiros
de seus conflitos interiores e da opressão. Opressão que existe, também, a partir de uma situação exterior e que envolve,
não somente o indivíduo, mas todo o grupo social. E expressa o que se poderia
chamar do mundo reprimido do nós. Não apenas conflitos individuais, mas aqueles
sofridos por toda uma coletividade. Nos contos mencionados, a opressão está
representada pela pressão, aniquilação e neutralização de alguns indivíduos ou
de um grupo de indivíduos.
No
conto “Las ratas”, há projetores de luz e um ritual de tortura comandado por
ratos; em “Guillermo”, um homem é morto
com uma facada nas costas por um latifundiário bêbado e que se atribui o poder
divino na medida em que decide a morte
do peão: porque para viver assim, sozinho
no meio do campo, era preferível não viver.
No
entanto, a presença da bruxa num velho hotel e atuando com todos os seus
poderes é menos estranha do que as condições de sua morte; as torturas
ministradas pelos ratos são mais terríveis do que a constatação de seu
antropomorfismo; o assassinato de
Guillermo, mais absurdo do que a sua cabeça decepada falar com naturalidade.
Num
mundo que permite tais paralelismo, a leitura do conto fantástico exigiria
também o conhecimento do contexto no qual ele foi elaborado. Contexto este,
desconhecido (ou tido por desconhecido)
não somente dos europeus mas, também, ou sobretudo e pelas tão conhecidas
razões, dos próprios habitantes do
Continente.

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