José
Mármol tinha trinta e quatro anos, estava exilado em Montevidéu, fugindo da
ditadura de Rosas quando, em maio de 1851, publicou Amalia, “romance
histórico americano”. Um sub-título que, não somente define a obra, como
esclarece que existiu um tempo em que o termo “americano” nomeava, também, um
espaço do sul do Rio Bravo.
Como
é sobejamente conhecido, o romance histórico inscrito no romantismo europeu – O
Bobo de Alexandre Herculano, Ivanhoé de Walter Scott, O
Corcunda de Notre Dame de Victor Hugo – inspira-se no mundo medieval.
Na
América, ele se volta para os primeiros habitantes do Continente (Iracema,
O Guarani de José de Alencar, Cumandá do equatoriano Juan León
Mera, Enriquillo do dominicano Manuel de Jesus Galván, Guatimozin
da cubana Gertudris Gomes Avellaneda) ou por aqueles que trazidos a ferro
vieram para habitá-lo ( A cabana do pai Tomás de Harriet Beecher Stove, Cecilia
Valdes de Cirilo Villaverde).
Mas,
não foi a exótica descrição dos índios ou a crítica da escravidão, o tema do
primeiro romance argentino e sim a história contemporânea.
Embora
usando tempos do passado o quê, segundo José Mármol, estaria em harmonia com a leitura
das gerações vindouras, Amalia testemunha a história argentina daquele
momento. Assim, ainda que o título da obra , como outros da época, seja um nome
de mulher, a grande presença no romance é a ditadura. Entre as tantas do
Continente, essa que submeteu a Argentina de 1829 a 1852 quando se digladiavam
os “federais”, adeptos de Rosas e os “unitários” seus opositores.
Entre
eles se dividia a sociedade argentina. A “plebe ignorante”, o povo mais
humilde, o pessoal de serviço serviam à Federação. A elite, constituída pelos
intelectuais, pelas famílias tradicionais, pela “gente ilustrada e culta” era
toda ela unitária. Chamados por Rosas de selvagens
unitários, cada vez mais perseguidos
e massacrados, muitos buscaram o exílio de onde pretendiam voltar, em breve,
para combater.
Numa
tentativa de fuga para a outra margem do Rio da Prata, Eduardo Belgrano é
ferido. Para escondê-lo e curá-lo levam-no para a casa de Amalia, jovem rica,
bela e viúva. Na convivência diária e no sentir dos mesmos ideais, eles se
apaixonam e acreditam poder ludibriar a polícia de Rosas. O cerco, porém,
aumenta e Amalia se dispõe a partir também.
Até
o momento em que devem esperar para a travessia do Rio da Prata, vivem medos,
sobressaltos, traições e, também gestos de lealdade.
As
delações e os crimes se sucedem
emoldurados pelas festas paroquiais em
que o retrato do ditador é conduzido em
procissão pela cidade e pelas igrejas. Sobre Eduardo Belgrano paira a ameaça do
punhal da Mazorca, a polícia de Rosas. Sobre Amalia, as tentativas de sedução
de um federal. Para todos que são contra a Federação, o terror instaurado pela
Mazorca que adquire as mais variadas nuanças. Desde grudar com piche o laço
vermelho , insígnia federal, no cabelo das jovens unitárias, até apunhalar e
degolar em praça pública.
Antítese
do obscurantismo ditatorial, as figuras luminosas de Eduardo Belgrano, guiado
por ideais de pátria que a própria pátria impede de viver e Amalia que lhe
segue os passos .
Perfeitas
figuras românticas que são pretextos para a que ditadura de Rosas se evada dos
arquivos históricos e seja narrada num texto em que a ficção e o real se
entrelaçam para comover e testemunhar. Sobre o tempo em que
os pais
tremiam pelos filhos, os amigos desconfiavam dos amigos e a consciência individual,
censurando as palavras e as ações de cada um, inquietava o espírito, enchia de
desconfiança o ânimo de todos.

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