domingo, 9 de abril de 1989

O amor no tempo de Rosas

            José Mármol tinha trinta e quatro anos, estava exilado em Montevidéu, fugindo da ditadura de Rosas quando, em maio de 1851, publicou Amalia, “romance histórico americano”. Um sub-título que, não somente define a obra, como esclarece que existiu um tempo em que o termo “americano” nomeava, também, um espaço do sul do Rio Bravo.

            Como é sobejamente conhecido, o romance histórico inscrito no romantismo europeu – O Bobo de Alexandre Herculano, Ivanhoé de Walter Scott, O Corcunda de Notre Dame de Victor Hugo – inspira-se no mundo medieval.

            Na América, ele se volta para os primeiros habitantes do Continente (Iracema, O Guarani de José de Alencar, Cumandá do equatoriano Juan León Mera, Enriquillo do dominicano Manuel de Jesus Galván, Guatimozin da cubana Gertudris Gomes Avellaneda) ou por aqueles que trazidos a ferro vieram para habitá-lo ( A cabana do pai Tomás de Harriet Beecher Stove, Cecilia Valdes de Cirilo Villaverde).

            Mas, não foi a exótica descrição dos índios ou a crítica da escravidão, o tema do primeiro romance argentino e sim a história contemporânea.

            Embora usando tempos do passado o quê, segundo José Mármol, estaria em harmonia com a leitura das gerações vindouras, Amalia testemunha a história argentina daquele momento. Assim, ainda que o título da obra , como outros da época, seja um nome de mulher, a grande presença no romance é a ditadura. Entre as tantas do Continente, essa que submeteu a Argentina de 1829 a 1852 quando se digladiavam os “federais”, adeptos de Rosas e os “unitários” seus opositores.

            Entre eles se dividia a sociedade argentina. A “plebe ignorante”, o povo mais humilde, o pessoal de serviço serviam à Federação. A elite, constituída pelos intelectuais, pelas famílias tradicionais, pela “gente ilustrada e culta” era toda ela unitária. Chamados por Rosas de selvagens unitários, cada vez mais perseguidos e massacrados, muitos buscaram o exílio de onde pretendiam voltar, em breve, para combater.

            Numa tentativa de fuga para a outra margem do Rio da Prata, Eduardo Belgrano é ferido. Para escondê-lo e curá-lo levam-no para a casa de Amalia, jovem rica, bela e viúva. Na convivência diária e no sentir dos mesmos ideais, eles se apaixonam e acreditam poder ludibriar a polícia de Rosas. O cerco, porém, aumenta e Amalia se dispõe a partir também.

            Até o momento em que devem esperar para a travessia do Rio da Prata, vivem medos, sobressaltos, traições e, também gestos de lealdade.

            As delações e os  crimes se sucedem emoldurados pelas festas paroquiais em que o retrato do  ditador é conduzido em procissão pela cidade e pelas igrejas. Sobre Eduardo Belgrano paira a ameaça do punhal da Mazorca, a polícia de Rosas. Sobre Amalia, as tentativas de sedução de um federal. Para todos que são contra a Federação, o terror instaurado pela Mazorca que adquire as mais variadas nuanças. Desde grudar com piche o laço vermelho , insígnia federal, no cabelo das jovens unitárias, até apunhalar e degolar em praça pública.

            Antítese do obscurantismo ditatorial, as figuras luminosas de Eduardo Belgrano, guiado por ideais de pátria que a própria pátria impede de viver e Amalia que lhe segue os passos .

            Perfeitas figuras românticas que são pretextos para a que ditadura de Rosas se evada dos arquivos históricos e seja narrada num texto em que a ficção e o real se entrelaçam para comover e testemunhar. Sobre o tempo em que

            os pais tremiam pelos filhos, os amigos desconfiavam dos amigos e a consciência individual, censurando as palavras e as ações de cada um, inquietava o espírito, enchia de desconfiança o ânimo de todos.

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