O
sol batendo no rio ou nas ruas de Buenos Aires. Mancha luminosa que acompanha a
trajetória de Silvestre e Milo. Um, velho solitário de poucas falas; outro,
solidão de adolescente de muitos silêncios.
São
dois seres que vivem de parcos recursos e de parcas comodidades numa casa de
cômodos de um Buenos Aires das décadas
passadas cujos recantos provincianos são fixados em rápidas imagens. Pequenas
descrições que acompanham a narrativa onde um minucioso e lento descrever
mostra um zoológico de grades, jaulas e
de animais tristonhos. Neles a mangusta
, vindo quem sabe, das margens dos rios
africanos, sem saber o que fazer com as
patas, a costumadas a uma existência
errante, nem com os olhos habituados à complicada profundidade dos bosques.
Espécie de cão, como aquele que Silvestre tivera um dia, puseram-lhe o nome de
Ajeno. Foi o terceiro elemento de um triângulo de afetos estabelecidos a partir de encontros casuais.
De
janeiro a julho, o tempo flui numa continuação do outubro anterior quando
encontraram a mangusta pela primeira vez. Os dias encurtam e mudam de cor; o
tom das folhas, caindo como chuvas a cada soprar mais forte do vento, não é o mesmo.
Os cinamomos estavam amarelos, os plátanos, castanhos; o salgueiro tinha se reduzido a um esqueleto negro e retorcido que escorria umidade. Na cidade em que, juntamente
com o verão, desaparecem as bancas dos melões e das melancias, Silvestre
envelhece e gradativamente, vai perdendo as forças. No aprendizado da ausência,
da solidão, obedecendo ao ciclo da vida, Milo cresce.
A
luz que envolve a paisagem e as pessoas e que envolve as copas das árvores, como que anuncia os destinos.
Silvestre com o rosto na sombra,
Silvestre escuro e quieto como uma das
tantas sombras, Silvestre, sombra suada que arrastava sua
outra sombra. Milo correndo, pulando na luz, mergulhado na luz, olhando para a
mangusta, ainda no escuro da jaula.
Banhando-se em
luzes e em sombras, sob céus nublados de inverno, sob essa cor solitária de outono
ou no brilho quieto e transparente que tem as coisas em janeiro, são
traçados os caminhos.
Um deles, a morte
de Silvestre. O outro, o da autodeterminação de Milo ao enfrentar a perda e
compreender que o tempo em que haviam passado juntos não voltaria jamais. Essas
tristezas e aquela, imensa, que reina entre as grades do zoológico não impedem
que nas páginas de Al rededor de la jaula de Haroldo Conti, (Buenos
Aires, Sudamericana,1967) perpasse um sutil frêmito de alegria. Como aquele que
agita a mangusta quando sente a aproximação de Milo.
Ou porque é a história de um adolescente que renasce,
apoiando-se no carinho da mangusta ou porque forçando a jaula para libertá-lo
entrelaça felicidade e liberdade. Ou, simplesmente porque Milo, o quase menino
e a mangusta livre do cativeiro podem
contemplar, sem amarras, o rio ao amanhecer.



