Foi um momento de rara beleza. Num espaço
onde restos de uma cidade indígena, destruída pelos conquistadores ainda
subsistem, levantarm-se as vozes que o dramaturgo peruano reconstituiu: a
primeira montagem de La muerte de
Atahualpa de Bernardo Roca Rey. Um cenário que, certamente, tornou mais
real e impressionante o sentido das palavras dos três personagens, Valverde,
Atahualpa e Felipillo.
Valverde,
frade que veio ao Continente para converter os índios. Das matanças, das mulheres
violadas ou dos templos saqueados, disso ele se inocenta: a soldadesca é sempre tão brutal.... Quer, apenas, oferecer a cruz.
Um símbolo que, em troca do ouro, é de reconforto.
Atahualpa
recebeu um império para o qual desejou a paz e a justiça num caminho marcado
também pelo sangue do irmão. Depois,
prisioneiro, com as mãos algemadas pelos espanhóis, ele pressente que a sua
morte será a destruição de seu povo.
Felipillo
defende as verdades dos conquistadores porque foram elas que lhe salvaram a
vida. Aprendeu com o invasor, cujo deus havia sido traído por umas moedas, a
trair e trocou seu povo por um capacete de ferro.
Uma
tríade que sintetiza um dos muitos momentos da História da América em que se
defrontam os donos do Continente e os que vieram para usurpá-lo. Nas palavras do Imperador
Inca, do representante da fé e de Felipillo que defende só a si mesmo, desfilam
as verdades. Convertido ou submetido é igual,
diz o Inca. Pizarro quando submete os
caciques exige a submissão somente a Deus, esclarece o frade. O que importaria que o Império inteiro se
perdesse se eu iria surgir do nada para me converter em algum personagem de
certa importância?, justifica-se Felipillo.
Verdadeiras
ou falsas tais expressões recriam a História do Continente no jogo teatral. Do
austero cenário de muros frios e nus, somente iluminados por duas tochas; da simplicidade
dos trajes que vestem os personagens; da monotonia dos sons, tambores e
lamentos que, por vezes, acompanham os diálogos, sobressai a palavra. Como se
as impressões dramáticas se diluíssem
para fazer sobressair imagens e lições.
Elementos
espanhóis e indígenas se mesclam nos trajes de Felipillo. Ambigüidade que, também, lhe domina a alma. Do
Inca Atahualpa, ele escuta: vai te
esconder nos bosques e ali vive como animal fugido. Que ninguém te veja para
que não se envergonhe de ser homem.
Em
Canela, janeiro de 1989
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