Quando,
no Brasil, se publicava Macunaíma,
Francisco Espínola escrevia seus primeiros contos. Autor de um romance, hoje um
clássico da Literatura Uruguaia, Sombras
sobre la tierra e de um livro
infantil, Saltoncito, também já um
clássico no gênero e de um livro de contos, Cuentos completos ( Montevidéu, Arca,1993). Entre eles, alguns
se constituem páginas definitivas da Literatura do Continente. Narrativas
que se constroem a partir de um eixo: o homem do campo, o criollo uruguayo, um ser humano, encerrado nos seus valores,
herança gaúcha que avança no tempo e norteia as ações. Inseridos num universo,
fixado em rituais ( a marcação, o enterro)
por vezes apenas esboçados num espaço fechado ou na paisagem, são tipos que se
definem diante de situações extremas – quando as escolhas surgem de um
movimento da alma.
O homem pálido que chega ao rancho para
roubar, diante de Elvira, de seus olhos de um olhar tão doce, tão leal, tão triste, perde a ferocidade. Mata o
companheiro para impedir que lhe advenha algum mal; arrombando a porta do
quarto na casa da fazenda solitária, os ladrões se deparam com Amélia em
trabalho de parto. Tentam ajudar e fogem, não sem antes mandar em busca de
vizinhos para socorrê-la; por se sentir desonrada, Maria del Carmem se suicida
e o preço de sua vida é pago com a vida
do sedutor: o pai da moça ofendida o apunhala diante de todos. O pai desse nova
vítima não reage. O ritual se cumprira.
Em
meio a esses personagens submissos as suas paixões e as suas verdades,
sobressai Rodriguez, personagem título do último conto da coletânea. Brevíssima
cena que retoma um tema de tradição judaico-cristã: a Tentação, situando-a em
pleno campo e tendo como personagens um gaúcho e o Tentador.
Foi
numa noite de lua iluminando o campo que os dois se encontraram. Rodriguez ( o
gaúcho) e o outro que o esperava atravessar o Passo. Voz melíflua, olhar que se
humilha diante do olhar do outro. E a voz e o gesto ofertando, eis o Tentador. Rodriguez, desinteressado,
logo aborrecido por tantas palavras, ouve, sem dar resposta, as ofertas: a
submissão de mulher desejada, o ouro, o poder que também é bom. E segue o gaúcho no trote, indiferente ao outro que
diante de tal silêncio como que havia perdido a fala. Mas, reagiu, exibindo, para
convencer, o seu poder: transformou o cavalo negro que montava, em cavalo
branco; transformou um galho em víbora, transformou seu cavalo em bagre. Fê-lo
dar voltas em torno de Rodriguez que seguia no trote pois bagre, por maior que
fosse, não representava perigo para o seu cavalo.
O
Tentador ainda insistiu, chamando a sua atenção para as suas incríveis proezas.
Conseguiu a indiferente resposta: Isso? É
mágica! E, então, viu Rodriguez
afastar-se sob a luz da lua, deixando para trás possibilidades de riqueza, de
sedução e de poder. Imperturbável. Incorruptível...
Bela
história para contar e recontar no Continente!

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