domingo, 4 de dezembro de 1988

De ofertas e recusas

            Quando, no Brasil, se publicava Macunaíma, Francisco Espínola escrevia seus primeiros contos. Autor de um romance, hoje um clássico da Literatura Uruguaia, Sombras sobre la tierra e de um livro infantil, Saltoncito, também já um clássico no gênero e de um livro de contos, Cuentos completos ( Montevidéu, Arca,1993). Entre eles,  alguns  se constituem páginas definitivas da Literatura do Continente. Narrativas que se constroem a partir de um eixo: o homem do campo, o criollo uruguayo, um ser humano, encerrado nos seus valores, herança gaúcha que avança no tempo e norteia as ações. Inseridos num universo, fixado em rituais (  a marcação, o enterro) por vezes apenas esboçados num espaço fechado ou na paisagem, são tipos que se definem diante de situações extremas – quando as escolhas surgem de um movimento da alma.

             O homem pálido que chega ao rancho para roubar, diante de Elvira, de seus olhos de um olhar tão doce, tão leal, tão triste, perde a ferocidade. Mata o companheiro para impedir que lhe advenha algum mal; arrombando a porta do quarto na casa da fazenda solitária, os ladrões se deparam com Amélia em trabalho de parto. Tentam ajudar e fogem, não sem antes mandar em busca de vizinhos para socorrê-la; por se sentir desonrada, Maria del Carmem se suicida e o preço  de sua vida é pago com a vida do sedutor: o pai da moça ofendida o apunhala diante de todos. O pai desse nova vítima não reage.  O ritual se cumprira.

            Em meio a esses personagens submissos as suas paixões e as suas verdades, sobressai Rodriguez, personagem título do último conto da coletânea. Brevíssima cena que retoma um tema de tradição judaico-cristã: a Tentação, situando-a em pleno campo e tendo como personagens um gaúcho e o Tentador.

            Foi numa noite de lua iluminando o campo que os dois se encontraram. Rodriguez ( o gaúcho) e o outro que o esperava atravessar o Passo. Voz melíflua, olhar que se humilha diante do olhar do outro. E a voz e o gesto ofertando,  eis o Tentador. Rodriguez, desinteressado, logo aborrecido por tantas palavras, ouve, sem dar resposta, as ofertas: a submissão de mulher desejada, o ouro, o poder que também é bom. E segue o gaúcho no trote, indiferente ao outro que diante de tal silêncio como que havia perdido a fala. Mas, reagiu, exibindo, para convencer, o seu poder: transformou o cavalo negro que montava, em cavalo branco; transformou um galho em víbora, transformou seu cavalo em bagre. Fê-lo dar voltas em torno de Rodriguez que seguia no trote pois bagre, por maior que fosse, não representava perigo para o seu cavalo.

            O Tentador ainda insistiu, chamando a sua atenção para as suas incríveis proezas. Conseguiu a indiferente resposta: Isso? É mágica!  E, então, viu Rodriguez afastar-se sob a luz da lua, deixando para trás possibilidades de riqueza, de sedução e de poder. Imperturbável. Incorruptível...

            Bela história para contar e recontar no Continente!

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