domingo, 11 de dezembro de 1988

Das amadas

            Falar da amada em verso é descrever, recordar, imaginar. Chorar ausências, desejar. Querer que renasça.

            O corpo da amada é como se lírio fosse, diz Enrique Loynaz. E Pablo Neruda diz: “doce jacinto azul, pequena rosa”. Evocada, muda e pálida, em meio a uma noite de som e de perfumes como no “Nocturno”de José Asunción Silva. Mulher imaginária impregnando tudo –as paredes, o ar, os gerânios – com uma presença irreal e tão plena que provoca o  medo do encontro. Assim conta Lopes Vallencillos no seu poema “as vezes tenho medo de te encontrar na rua”. Também é sofrer da ausência irremediável como Amado Nervo ao longo dos anos que se seguiram à morte da amada. Ainda, como um demiurgo, dar vida à mulher como faz o poeta salvadorenho Roque Dalton: No dia em que morras te enterrarei nua, como quando nasceste de novo entre minhas pernas.

            Mas, falar da amada em versos significa também falar de si mesmo. De angústias e solidão, de desejos inefáveis. Voltar-se para si mesmo e aspirar encontrar-se ou encontrar no outro, na amada, as respostas da vida: amar é somente/  saldar contas / com o que e está mais longe, escreve, temeroso, Teobaldo Noriega.

            E, nesses sentires todos, aqui e ali, no Continente, surge o olhar para além do próprio sentir. Mario Benedetti explica: uma nova linguagem mediante novas maneiras de assumir não somente o amor mas também uma realidade que inclui o amor.
            E, então, Roberto Fernández Retamar, nascido em Cuba, em 1930. Seu poema “Con las mismas manos” se inicia com um verso em que  o elemento erótico-afetivo se entrelaça à uma ação voltada para o dever do homem: Com as mesmas mãos que te acaricio estou construindo uma escola. Nos demais versos, imagens de homens do Continente que esperam um futuro. Diante deles, o poeta para registrar: cheguei quase ao amanhecer, com o que pensei  seriam roupas de trabalho. Os outros, em farrapos, já o esperavam. Não dormem mais sob as pontes ou sob as soleiras. Estão construindo uma escola e não sabem ler.

            Um poema em que se misturam as verdades. A dos que trabalham e cansam. A verdade de um eu que ao compartilhar com os deserdados o trabalho e a refeição, passa a ter os olhos iluminados: Que longe estávamos das coisas verdadeiras, amor, que longe!            Um refletir, um trabalhar que é caminho para a mulher amada. Mulher amada que não se constitui um universo inteiro mas faz parte dele. E numa dimensão em que tão importante quanto amar a amada é guardar a coerência com a própria visão de mundo. Os versos se repetem: Não há momento em que não pense em ti / Hoje talvez mais, e enquanto ajudo a construir esta escola com as mesmas mãos que te acaricio.

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