sábado, 12 de março de 1988

Sobre a Literatura Gauchesca

            No regionalismo latino-americano, a Literatura Gauchesca é uma tradição literária das mais amplas e das mais expressivas. De sua amplidão faz prova, além da região geográfica pela qual ela se estende – Argentina, Brasil, Uruguai -  a sua permanente vitalidade, sua força e  o alcance popular de textos inspiradores de uma Literatura culta e urbana.  Razões que fazem dela um fenômeno literário muito particular e valioso cuja existência somente foi conhecida através de testemunho dos viajantes no século XVIII.

            Essa poesia, de cunho autenticamente popular, foi estudada, periodizada e se constitui uma presença em todos os livros de História da Literatura Argentina e Uruguaia. Depois dela, o gaúcho transformado em mito, continuou a alimentar romances, contos, peças de teatro, ensaios numa produção que se prolonga até os dias de hoje e da qual ficaram obras que não foram vencidas pelo anacronismo que costuma dominar a maior parte da produção artística de uma época. Ainda assim, muitas vezes, essa produção é marginalizada pela crítica oficial cujos parâmetros não permitem o estudo de obras que não se pautem pelos modelos forâneos (ou parisienses ou nova-iorquinos) que são  as aspirações supremas de uma determinada “elite” latino-americana.

            Daí decorre que estudos sobre Literatura Gauchesca acabaram  por se constituir  algo de estático e de parcial: ou somente se estuda a história  da primitiva poesia gauchesca, estudo esse justificado pela respeitabilidade que o passar do tempo acaba por conferir ao assunto, ou se estudam as obras que, na melhor tradição universitária, são consideradas dignas de atenção por terem sido, a priori, rotuladas como  obras primas.

            Por outro lado, os criadores da ficção gauchesca, ao recriarem o gaúcho o fazem de maneira ambígua ignorando a distância que separa a representação idílica ( expressão de Ligia Chiapini Moraes Leite) de suas verdadeiras condições de vida.

            A Literatura Gauchesca passa a servir, então, a textos épico- elitistas produzidos por uma aristocracia da terra que encontra no gaúcho um meio para ilustrar a ideologia que é a de sua classe e como tal, mistificadora de uma realidade própria do meio rural dos países do Prata e do Rio Grande do Sul.

            Assim, estudar o gaúcho e as relações que mantém com a liberdade nas obras de ficção é estabelecer, também, suas relações com o latifúndio que o leva  à opção de uma liberdade inútil, desprovida de sentido, uma vez que nem ao menos questiona a estrutura social.

            Deter-se nesses tópicos é um desafio. Questionar a figura do mito em países que tanto necessitam dele é quase uma temeridade. Mas, realmente, se trata de induzir a busca de uma resposta quando uma simples releitura dos textos gauchescos mostra que se o amor  pela liberdade é uma constante, é, igualmente uma constante a contradição que significa lutar por uma terra da qual ele não tem a posse. E ao que tudo indica, uma posse  que ele não terá jamais.

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