No
regionalismo latino-americano, a Literatura Gauchesca é uma tradição literária
das mais amplas e das mais expressivas. De sua amplidão faz prova, além da
região geográfica pela qual ela se estende – Argentina, Brasil, Uruguai - a sua permanente vitalidade, sua força e o alcance popular de textos inspiradores de
uma Literatura culta e urbana. Razões
que fazem dela um fenômeno literário muito particular e valioso cuja existência
somente foi conhecida através de testemunho dos viajantes no século XVIII.
Essa
poesia, de cunho autenticamente popular, foi estudada, periodizada e se
constitui uma presença em todos os livros de História da Literatura Argentina e
Uruguaia. Depois dela, o gaúcho transformado em mito, continuou a alimentar
romances, contos, peças de teatro, ensaios numa produção que se prolonga até os
dias de hoje e da qual ficaram obras que não foram vencidas pelo anacronismo
que costuma dominar a maior parte da produção artística de uma época. Ainda
assim, muitas vezes, essa produção é marginalizada pela crítica oficial cujos
parâmetros não permitem o estudo de obras que não se pautem pelos modelos
forâneos (ou parisienses ou nova-iorquinos) que são as aspirações supremas de uma determinada
“elite” latino-americana.
Daí
decorre que estudos sobre Literatura Gauchesca acabaram por se constituir algo de estático e de parcial: ou somente se
estuda a história da primitiva poesia
gauchesca, estudo esse justificado pela respeitabilidade que o passar do tempo
acaba por conferir ao assunto, ou se estudam as obras que, na melhor tradição
universitária, são consideradas dignas de atenção por terem sido, a priori,
rotuladas como obras primas.
Por
outro lado, os criadores da ficção gauchesca, ao recriarem o gaúcho o fazem de
maneira ambígua ignorando a distância que separa a representação idílica (
expressão de Ligia Chiapini Moraes Leite) de suas verdadeiras condições de vida.
A
Literatura Gauchesca passa a servir, então, a textos épico- elitistas
produzidos por uma aristocracia da terra que encontra no gaúcho um meio para
ilustrar a ideologia que é a de sua classe e como tal, mistificadora de uma
realidade própria do meio rural dos países do Prata e do Rio Grande do Sul.
Assim,
estudar o gaúcho e as relações que mantém com a liberdade nas obras de ficção é
estabelecer, também, suas relações com o latifúndio que o leva à opção de uma liberdade inútil, desprovida
de sentido, uma vez que nem ao menos questiona a estrutura social.
Deter-se
nesses tópicos é um desafio. Questionar a figura do mito em países que tanto
necessitam dele é quase uma temeridade. Mas, realmente, se trata de induzir a
busca de uma resposta quando uma simples releitura dos textos gauchescos mostra
que se o amor pela liberdade é uma
constante, é, igualmente uma constante a contradição que significa lutar por
uma terra da qual ele não tem a posse. E ao que tudo indica, uma posse que ele não terá jamais.

Nenhum comentário:
Postar um comentário