sábado, 5 de março de 1988

De flores e de amores

            Depois de ter recebido a Orden del Sol do Peru, a Orden Condor de los Andes da Bolívia, Juana de Ibarbourou, em 1945, foi homenageada pelo Brasil com a Ordem do Cruzeiro do Sul.


            Em 1920, já havia sido consagrada diante de vinte representantes dos países latino-americanos e diante de dez mil pessoas, como Juana de América. Exatamente dez anos depois de ter sido publicado o seu primeiro livro Las lenguas de diamante que, em brevíssimo tempo, a levaram do anonimato para a glória. Tinha vinte e quatro anos, acabara  de chegar a Montevidéu, vinda do interior e a publicação de seus versos a tornou conhecida em todos os cantos da América.

            São versos que se enraizaram na natureza de seu país, talvez na paisagem de Melo, cidade quase na fronteira com o Brasil, onde nasceu a 8 de março de 1895. Neles resplandecem flores (rosas, dálias, amapolas, lírios, cravos, glicínias, magnólias), árvores (cedro, pinheiro, cipreste, o ceibo e o algarrobo), as fontes, a água pura, a chuva, o vento.

            Na verdade, nada que identifique esse pedaço da América onde nasceu para falar de amor.  Embora possa ter  dito num poema de seu primeiro livro  que para falar de amor o que vale  é o silêncio,  não deixa de acreditar no diálogo, ainda que não precise de palavras: Serão nossas pupilas duas línguas de diamante/ Movidas pela magia de  diálogos supremos. Um amor  que deseja ser entrega submissa, água viva a deslizar aos pés do amado, cão a guardar-lhe os passos. Amor que se quer presente, sem esperas: toma-se, agora, que ainda é cedo/ e tenho dálias novas nas mãos.  Ou, Cresci / Para ti / Poda-me. Minha acácia – Implora de tuas mãos o seu  golpe de graça.

            Sobretudo, nesse primeiro livro, um amor narciso, expectante e  de difusa sensualidade. Narcisismo que se contempla: meu rosto moreno, sou esbelta e morena, Meu corpo está impregnado do ardente aroma de capim maduro, Meu cabelo sombrio, esparrama ao destrançá-lo, cheiro de sol e de feno. Narcisismo que se escuta nas melancolias adolescentes : ( me entedia esta a vida tão monótona e triste), nos desejos do desabrochar do corpo ( desnuda-me, amante), nos anseios da espera ( e, minha alma que deseja uma cruz de amor grande e doído, de paixão e martírio).      E do qual fazem parte o sabor das frutas, as cores do mundo, o roçar  dos   elementos e do homem amado (teus lábios nos meus lábios derramaram mel, meu amante beijou-me as mãos e nelas, como estrelas, brotaram rosas).

            Universo  que se expressa nos verbos ser, amar, sentir.  Talvez os mais fáceis de serem conjugados, talvez os mais fáceis de serem entendidos.

            Ao tomar posse na Academia de Letras de seu país, Juana de Ibarbourou reconhece que a poesia foi o seu destino: Vai-se andando, vai-se sofrendo, vai-se cantando.

            E, com tais palavras resume, também, o destino do Continente.

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