Inserido
num texto que narra o cotidiano de uma menina, o atentado do dia 9 de abril de
1948, em Bogotá, e os acontecimentos que a ele se seguiram. A narração –
construída em pequenos textos objetivos e sintéticos, antecedidos de marcação
de tempo precisa – se inicia com um fato aparentemente sem importância, a
chegada de Jorge Eliécer Gaitán a seu escritório, às 8.30 da manhã. Continua em
mais nove parágrafos até chegar às 14.15, hora em que ele morre, vítima de um a
tentado político, assassinado, como disse um homem o povo, por um “João
ninguém”. No romance, são diferentes
vozes que se entrelaçam para reconstruir os episódios de violência que o
inesperado crime originou. E o que aconteceu adquire vários tons: a primeira dama do país se
confessa desagradavelmente surpresa ao saber da morte de Gaitán;
uma senhora da elite econômica lamenta que tais coisas estejam acontecendo
exatamente no dia em que iria se apresentar no Teatro Colón um afamado cantor;
Sabina, uma empregada doméstica, murmura rezas e acende velas a mando da
patroa, O jovem do povo, levado de roldão à luta armada, testemunha o
horror da violência desencadeada. Entre
essas vozes e tantas outras, a de Ana.
Ana
está no terceiro ano da escola primária, já sabe ler e somar. Em meio aos
interesses próprios da idade (deliciar-se com as goiabas, ganhar medalhas de primeiro lugar, assistir um filme do Gordo
e o Magro, comer merenda) participa, ainda que protegida pela distância, do
medo e das dúvidas que dominam a família e a cidade.
Na
Escola, as freiras, nervosas, mudam as normas no que se refere à ida para casa:
que as meninas não formem filas por ano, como sempre, mas a partir da direção
da cidade onde moram; que as mais velhas cuidem das menores e que tão logo
saiam do Colégio corram o mais depressa possível. Na corrida, houve quem deixasse cair os cadernos e que
tivesse medo que lhe matassem o pai. E, ao chegar em casa, as reprimendas: como
dar pontapés no portão? Não lhe ensinaram que se toca a campainha? Ao pedir,
faminta, a merenda lhe respondem que lá isso é hora de pensar em comer? Incompreensível,
então, para ela,a incoerência dos
adultos ao determinar que o momento era grave demais para matar-lhe a fome
enquanto providenciam a compra de muitos gêneros alimentícios ( antes que turba
saqueie tudo).
Assim,
enquanto a cidade é saqueada, enquanto a multidão se embebeda e cadáveres se
espalham pelo chão, enquanto a Rádio incita o povo às armas, as perguntas de
Ana vão ficando sem resposta. Somente se lembram dela para lhe mandar tirar o
uniforme.
Sem
muito entender o que se passa – a morte do chefe do “Grande Partido Liberal”, as cabeças
penduradas nos postes, o medo dos adultos - Ana dará testemunha do caos vivenciado por
Alba Lucia Angel, romancista colombiana nascida em 1939. Ao escrever, entre
1971 e 1975, Estaba la pájara pinta
sentada en el verde limón, ela
retoma essas questões, procurando
respostas para as perguntas que
provavelmente também lhe foram escamoteadas. Para contar o cotidiano de sua personagem, o inscreve nos
dias das violências e lutas desse abril
de 1948 e buscando novas formas narrativas,
assume um compromisso com a realidade de seu país no intuito de compreender
(ou explicar) os porquês da violência
que abruma a sua História.

