sábado, 20 de fevereiro de 1988

Dona Bárbara e Jorge Amado

            Em 1937, Jorge Amado, no exílio, viajou pela América Latina e foi quando escutou f\alar, pela primeira vez, no romance Doña Bárbara  e em seu autor, o escritor venezuelano Rômulo Gallegos. Os comentários sobre a obra já haviam começado a soar-lhe nos ouvidos na Argentina e, assim foi acontecendo nos demais países pelos quais passou.

            No México, finalmente, segundo recorda Jorge Amado, um amigo lhe ofereceu o livro. A leitura o entusiasmou: Visão maravilhosa da vida venezuelana, bravio e cheio de um cheiro agreste, opulento de vida, reunindo todas as qualidades de técnica, estilo e poder criador que fazem os grandes romances.

            Quando a Editora Guairá, de Curitiba, o consultou sobre a obra que deveria iniciar a coleção de ficcionistas latino-americanos foi o romance que, não somente indicou, mas do qual fez a tradução. E’ no Prólogo dessa edição sem data que Jorge Amado conta como se deu o seu encontro com Doña Bárbara. Um encontro que irá se repetir trinta e sete anos mais tarde, quando, em 1974, desta vez pela Record, será, novamente, publicado no Brasil o romance de Rômulo Gallegos. Para essa edição, Jorge amado retoma a tradução que, segundo os editores, pode ser considerada obra nova na medida em que foi revista e readaptada pelo tradutor.

            Na verdade, são inúmeras as modificações que surgem nesta nova edição. Em primeiro lugar, saltam à vista as notas de rodapé que explicam o significado de palavras conservadas no original e cujo correspondente não existe na Língua Portuguesa pois, ou se referem a tipos regionais como os bogas ( remadores que  se utilizam de varas num bongo, espécie de canoa indígena) ou se referem à flora e à fauna como palodeagua ( grande árvore frondosa da beira dos rios) ou temblador ( peixe de rio, sem escamas que possui quatro órgãos elátricos).  Menos evidente, a tradução de algumas palavras  que haviam sido conservadas no original, na edição de Curitiba, Assim, cajón e chaparrales tem o seu significado esclarecido na edição de 1974: vale e carvalhos.

            Entretanto, a diferença entre as duas edições não se atém, somente, à opções relacionadas com os termos de difícil tradução. Elas existem, também quanto à exatidão dos termos empregados. Assim, na tradução revista, as palavras berrantes e casa, por exemplo, foram substituídas pelas palavras sujas e bodega  que, sem dúvida, são as correspondentes ao espanhol mugrientas e pulperia.

            Igualmente, existem diferenças entre os dois textos quanto à posição das palavras na frase. Em geral, são  os adjetivos que aparecem em lugares diferentes. Na Edição da Guairá, antes dos substantivos; na edição da Record, depois: terrível sol, bronzeados e suarentos corpossol terrível, corpos bronzeados e suarentos.

            Porém, o que mais chama a atenção em ambos textos é a eliminação de certos termos. Ou, uma palavra foi eliminada na primeira versão e conservada na segunda ou foi conservada na primeira e eliminada na segunda versão. Muito interessante, a eliminação da palavra inferiores relacionada com a palavra raças. A palavra desapareceu do texto revisto  por Jorge Amado. Não menos interessante, a eliminação do adjetivo terríveis que se refere à jacarés, adjetivo que não consta em nenhuma das edições.

            Embora se trate somente de alguns exemplos, são importantes ao se constituírem um valioso material para o estudo do estilo de Jorge Amado e, também sobre a sua concepção de mundo. Porque, não apenas mostram como o romancista brasileiro constrói, a partir do texto espanhol, dois textos para Doña Bárbara, mas possibilitam observar que nessa construção houve escolhas que foram definitivas, enquanto outras sofreram modificações.

            E, sem dúvida, são dignas de atenção essas escolhas  que negam ao homem e ao animal um epíteto pejorativo. O que no texto de Rômulo Gallegos, inegavelmente,  está muito claro.


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