Editado em 1974
pelo Siglo XXI de Buenos Aires, Yo
el supremo de Augusto Roa Bastos (
Paraguai, 1917) foi traduzido por
Galeano de Freitas e publicado pela Paz e Terra. Em 1959, seu romance Hijo de Hombre recebia o
Primeiro Prêmio do Concurso Internacional Losada e, em 1961, o Primeiro
Prêmio Municipal de Buenos Aires. Em 1965, em tradução de Marlene de Castro
Correa, foi publicado pela Civilização Brasileira. A revista Status, no seu número especial 11/A, publicou uma antologia do conto
latino-americano. De Augusto Roa Bastos foi o conto “La tijera”( A tesoura) do
livro El Baldio publicado em 1966. Eis o que o leitor brasileiro, de sua obra, pode
conhecer, em português. Hoje, o escritor paraguaio leciona Literatura na
França onde prolonga um exílio de mais de trinta anos, a maior parte passados
em Buenos Aires. Como poeta, seu primeiro livro, El ruisenõr de la aurora
data de 1942, quando estreou, também, com o romance Fulgencio Miranda. Em
1945, publica Mientras llega el dia
(teatro) e seu primeiro livro de contos, El
trueno entre las hojas.

Yo el supremo foi publicado no mesmo ano que El recurso del método, isto é, um ano
antes do aparecimento de El otoño del
patriarca. Embora geograficamente tão afastados uns dos outros, as
motivações de Roa Bastos, Alejo Carpentier e Gabriel García Márquez, ao se
interrogarem sobre os detentores do poder são bem óbvias. E tanto que até pode
ser considerado estranho que os demais países da América Latina ainda não
possuam os seus déspotas imortalizados pelo ridículo como foi o ditado Francia
no livro de Roa Bastos ou pelo estigma
ferro em brasa que é o romance de Miguel Angel Astúrias em que o ditador
Estrada Cabrera é o não nomeado Presidente. Porque no dizer de Alejo
Carpentier, em entrevista a Any Bourrier, publicada n’ O Globo de 23 de julho de 1979,os países do Caribe tinham tido, até
então,vinte e sete ditadores e, cada país do Continente, uns vinte cada um.
Assim, quando cria o seu ditador, ele é um amálgama de quatro
deles:Estrada Cabrera, Porfírio Dias,
Guzman Blanco e Gerardo Machado.
O
livro do autor paraguaio trata de José Gaspar Rodriguez de Francia (1814-1840)
o r aro (haverá outros?) governante que nos temos modernos assumiu oficialmente
a ingrata designação, como diz Décio de Freitas, de ditador.
Sob
a forma de ensaio ou romance, se lhe cabem, ou não, todas as classificações
eventadas pelo tradutor ou se é, simplesmente, inclassificável, no momento, parece ser de somenos importância. Longo
monólogo ( e poderia ser de outro modo? ) do ditador: memórias, circulares
perpétuas, anotações no caderno particular, pesadelos, alucinações, lembranças
difusas aos quais se inserem outras
vozes: a do pai, a de seu secretário Policarpo Patiño, a de seu cão, a de uma
caveira falante, a de André-Legar. Um caminhar de idas e vindas pra o tempo que
já foi, que é, que sempre será: exploração estrangeira na América, alianças políticas,
história fantasiada ou fantasia histórica ( a verdade é importante?), evangelização. O fantástico, o real ( ou,
igualmente fantástico?), o testemunho, a ficção. Leitura imprescindível. Pelo
prazer do texto. Pelo que nos leva à reflexão mais do que nunca necessária, que
mais não seja, sobre a prática do poder; sobre o ofício do escritor, sobre a
ambigüidade da linguagem. De como a tirania esquematiza a educação, anula a
cultura para fortalecer o seu poder e se auto-justifica na delegação da vontade
de um povo livre, independente e soberano;
de como o poder tem por base a ignorância e a mansidão do povo e o medo, de
como se acompanha de guardas, tambores, oficiais e armas para esconder o seu
verdadeiro rosto. E nas inquietudes do tirano, as interrogações/afirmações
sobre a Literatura, sobre o escritor. Escrever
não significa converter o real em
palavras mas sim fazer com que a palavra seja real. O irreal só está no
mal uso da escritura. Diante dos
pasquins (discutem seus atos?) e dos rumores (expressam esperança de ver chegar
o seu fim?) Doutor Francia define, sarcasticamente, os que vão defender a
verdade: Corrompidos corruptores.Vadios.
Malandros. Truões, rufiões da letra escrita.. E na diatribe contra o estilo
de Patiño (Labiríntico beco empedrado de
aliterações, anagramas, idiotismos, barbarismos, paranomásias da espécie
paróli/parulis: imbecis anástrofes para deslumbrar a invertidos imbecis que
experimentam ereções sobre o efeito das violentas inversões da oração [...],
está contida, também, aquela que dirige aos plumitivos
e que nada mais é do que a desmitificação de uma
língua morta. Que, aliás, ele revive por um uso incomum ao pontilhar as
suas circulares perpétuas, seus cadernos particulares, seus diálogos de um
vocabulário onde se mesclam termos do mais puro vernáculo, termos específicos
de zoologia, neologismos, termos populares e guaranis. Ou, ao elaborar
combinações inesperadas de palavras num emprego inusitado que lhes confere
novos significados.
Do
narrador (narradores) de Hijo de Hombre ao narrador (narradores ) de Eu o supremo há uma distância. Como se Miguel Vera (memórias, diário
e/ou o narrador onisciente dos capítulos pares) narrasse uma saga. Importante
por ela mesma:clamor contra a opressão em que vive o povo paraguaio. O narrador
de Eu o supremo volta-se para si
mesmo, se recita, se explica, repudia os textos de seus biógrafos, dos
historiadores numa dialética verdade/invenção que pode ser definida como a dialética da burla.
Da
grandeza de um Cristiano Jará de Hijo de
hombre para a miséria do Ditador perpétuo; da linguagem que faz de pobres
vítimas, heróis àquela que destrói o ditador todo-poderoso; da criação de belas
figuras de retórica à recriação trocista de significados. Há um passar da
epopéia para o cômico. E, diante da imensidão dos fatos, um mundo injusto que é
o cotidiano de uma grande parte dos latino-americanos hoje, este cômico
burlesco que passou a ser uma presença na Literatura Latino-americana é uma
opção. Opção na qual Eu o supremo é um dos grandes momentos:
burla corrosivo dos conceitos tradicionais, das verdades eternas, do saber
inconteste.